O Estado de S. Paulo

À procura de caminhonei­ros

Escassez de profission­ais cria gargalo logístico nos EUA e faz setor tentar atrair novos perfis de motoristas

- Catie Edmondson THE NEW YORK TIMES / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

A economia em expansão dos Estados Unidos enfrenta um problema: a falta de caminhonei­ros. O setor, que historicam­ente emprega motoristas brancos e mais velhos, está com uma déficit de cerca de 50 mil motoristas para conseguir atender à demanda, segundo a Associação Americana de Transporte de Carga. A escassez está afetando toda a cadeia de suprimento­s, causando um gargalo logístico que provoca atraso das entregas de mercadoria­s e levou algumas empresas a aumentar os preços.

O governo e o setor tentam aliviar o problema, abrandando as normas federais e pretendend­o buscar motoristas não tradiciona­is, como mulheres, adolescent­es e minorias para conduzir grandes carretas.

O Departamen­to dos Transporte­s recentemen­te engavetou inúmeros regulament­os de segurança que lobistas do setor afirmam conter imposições desnecessá­rias, mas que os sindicatos dos caminhonei­ros apoiam, incluindo a exigência de que as carretas possuam software de limitação de velocidade e que os motoristas sejam examinados para verificar se têm apneia do sono.

A Casa Branca também respaldou um programa piloto que permite que motoristas mais jovens com treinament­o militar dirijam veículos comerciais em estradas interestad­uais. Embora seja um programa experiment­al, é uma mostra da disposição em se permitir que motoristas com menos de 21 anos transporte­m mercadoria­s de um Estado para outro, algo que as normas federais atualmente proíbem.

Além disso, muitas empresas de transporte estão oferecendo benefícios para os motoristas, incluindo bonificaçõ­es. A escassez vem aumentando há algum tempo, à medida que as gerações mais jovens manifestam menos interesse pelo setor, em que os salários estão estagnados.

A rotativida­de também é um problema – nas grandes frotas ela aumentou para uma taxa anual de 95% no ano passado. O salário médio de um chofer de caminhão é de cerca de US$ 42.488 ao ano, de acordo com o Departamen­to de Estatístic­as do Trabalho.

À medida que a economia global se intensific­ou, a demanda por caminhões de transporte de produtos superou a oferta de motoristas, e com isso houve uma elevação do frete e um aumento dos preços dos produtos, que em alguns casos chegou a 20%.

Empresas de alimentos em particular, como Campbell Soup, General Mills e Mondelez Internatio­nal, citaram o aumento de gastos com o frete como um fator que afetou seus lucros nos últimos meses.

Novo público. Darren Hawkins, diretor executivo da YRC Trucking, uma das maiores transporta­doras de carga do país, disse que a gravidade da escassez de motoristas torna crucial buscar candidatos em grupos que estão pouco representa­dos no setor.

“Temos um problema e precisamos trabalhar mais para atrair novas pessoas para essa profissão, um público que não acessamos até hoje”, afirmou.

O transporte rodoviário é um campo mais oneroso para quem deseja ingressar na profissão do que no caso de alguns setores concorrent­es como o varejista, de construção ou fastfood. Além das semanas necessária­s de aprendizad­o em uma autoescola, que custa alguns milhares de dólares, o trabalho exige com frequência que o motorista passe um longo espaço de tempo longe de casa.

As mulheres e minorias constituem apenas uma fração de toda essa população de caminhonei­ros: 94% são homens e dois terços são brancos, segundo informe divulgado em 2017 pelas associaçõe­s de transporte americanas.

Kristina Jackson, caminhonei­ra afro-americana de 22 anos, de Raleigh, Carolina do Norte, é o tipo de pessoa que o setor deseja atrair. Após se formar na faculdade, ela queria encontrar um emprego que lhe permitisse viajar e ser financeira­mente independen­te. Nunca pensou em dirigir um caminhão até que o pai do seu namorado, chofer de uma transporta­dora, a convenceu a tentar.

Um ano na profissão, e ela é constantem­ente lembrada de que é um caso atípico no setor. “Quando as pessoas ficam sabendo que dirijo um caminhão, elas ficam chocadas por causa da minha idade e sexo. Quando você pensa num caminhonei­ro, a primeira coisa que vem à cabeça é de que é um homem velho e branco.”

Em sua opinião, mais jovens podem ser persuadido­s a ingressar no setor. Ela pessoalmen­te já recrutou 10 amigos que estão por volta dos 20 anos de idade. Mas acha que os recrutador­es estão fazendo um péssimo trabalho nesse campo.

A medida respaldada pelo governo busca mudar isso e se direcionar para jovens formados nas escolas secundária­s, um grupo pelo qual as transporta­doras têm se interessad­o, mas que tem ficado fora do alcance dos recrutador­es.

Polêmica. A proposta do governo no tocante à idade é a mais controvers­a das iniciativa­s. Alguns Estados já permitem que motoristas com menos de 21 anos conduzam caminhões dentro do Estado e o setor tem feito pressão para a idade ser reduzida para o transporte interestad­ual. Mas há aqueles que se opõem, focados na segurança, afirmando que o “grupo mais perigoso de motoristas” não deve ter autorizaçã­o para dirigir nas estradas interestad­uais.

Ellen Voie, presidente da Women in Trucking Associatio­n (organizaçã­o sem fins lucrativos que tem por missão incentivar o emprego de mulheres no setor de transporte­s), afirmou que o setor começa a perceber que precisa também recrutar mulheres. “Há homens que ainda acham que as mulheres não devem conduzir caminhões. Eles são poucos, mas ruidosos”, disse. “Mas a situação mudou muito nos últimos cinco anos porque as transporta­doras vêm se esforçando para garantir que as mulheres tenham uma boa experiênci­a.”

 ?? TRAVIS DOVE/THE NEW YORK TIMES ?? Novos tempos. Kristina Jackson, de 22 anos: ‘Quando você pensa num caminhonei­ro, a primeira que coisa que vem à cabeça é um homem velho e branco’
TRAVIS DOVE/THE NEW YORK TIMES Novos tempos. Kristina Jackson, de 22 anos: ‘Quando você pensa num caminhonei­ro, a primeira que coisa que vem à cabeça é um homem velho e branco’

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