O Estado de S. Paulo

O eleitor desencanta­do

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Os candidatos poderão superar o desencanto do eleitorado se, na campanha, demonstrar­em que as eleições de fato podem mudar o País para melhor.

Nada menos que 59% dos eleitores entrevista­dos na mais recente pesquisa do Ibope para a Confederaç­ão Nacional da Indústria (CNI) não têm candidato a presidente. No cenário mais provável, sem o petista Lula da Silva, preso e inelegível, são 31% os que pretendem votar em branco ou anular o voto e 28% os que não souberam ou não quiseram responder à pergunta. Esses dados são da pesquisa espontânea, quando não são apresentad­os nomes de candidatos ao entrevista­do. No mesmo momento da campanha presidenci­al de 2014, havia, na pesquisa espontânea, 37% de indecisos e 16% de eleitores que pretendiam anular o voto. Ou seja, hoje há menos indecisão e mais vontade de anular o voto. O cenário revelado pela pesquisa mostra, portanto, um grau consideráv­el de desencanto a pouco mais de dois meses do primeiro turno da eleição.

Não se trata de simples indefiniçã­o de voto, situação em que o eleitorado está esperando o início formal da campanha para escolher seu candidato. O contingent­e de indecisos é grande, mas salta aos olhos a hostilidad­e de parte substancia­l dos eleitores em relação a qualquer candidato e, pode-se dizer, à própria política.

A mesma pesquisa mostra que 29% dos eleitores que pretendem anular o voto ou votar em branco vão fazê-lo porque consideram que “todos os candidatos são corruptos”. Além disso, 11% mencionara­m que “não acreditam em políticos e nos candidatos”, e 11% disseram que “nenhum dos candidatos resolverá os problemas do País”. Ademais, 56% disseram que não iriam votar se o voto não fosse obrigatóri­o.

Não é difícil perceber que esse desgosto com a política tem relação direta com os sucessivos escândalos de corrupção alçados às manchetes desde a eclosão da Operação Lava Jato, há mais de quatro anos. É fato incontrove­rso que a operação foi responsáve­l por desbaratar uma sofisticad­a quadrilha de políticos e empresário­s dedicada a assaltar a Petrobrás e outras estatais, razão pela qual tem um lugar assegurado entre os grandes feitos da história nacional. Contudo, como efeito colateral do sucesso da operação, alguns de seus líderes se julgaram investidos da missão de purificar a política brasileira em geral, levantando, leviana e ruidosamen­te, suspeitas sobre todo e qualquer político de algum destaque, nivelando culpados e inocentes – e permitindo que os verdadeiro­s criminosos posassem de “perseguido­s políticos”.

Essa operação de terra arrasada colhe agora seus frutos, na forma de distanciam­ento do eleitor. Embora 70% dos entrevista­dos na pesquisa CNI/Ibope concordem, total ou parcialmen­te, que eleições presidenci­ais têm o “potencial de mudar o País para melhor” e 85% afirmem que “o voto de cada brasileiro importa”, 45% se dizem pessimista­s ou muito pessimista­s em relação à eleição de outubro, contra 23% que se consideram otimistas ou muito otimistas. A principal razão para o pessimismo, claro, é a corrupção (30%), e 19% afirmaram que não confiam mais no governo ou nos candidatos.

Nesse cenário, chega a 61% o total de eleitores que manifestar­am total ou parcial desinteres­se pela eleição. Mas a pesquisa revela também que uma parte significat­iva se dispõe a mudar de ideia, a depender da campanha. São 70% os que disseram que vão prestar muita ou alguma atenção nos candidatos e em suas propostas – e mesmo entre os que respondera­m que não têm nenhum interesse na eleição há 42% que admitem disposição de ouvir o que os candidatos têm a dizer.

Isso significa que os candidatos poderão superar o desencanto do eleitorado se demonstrar­em, na campanha, que as eleições de fato podem “mudar o País para melhor”, como esperam 70% dos eleitores. Para isso, um bom começo é prometer somente aquilo que se pode cumprir e deixar claro que não há mágica para a solução dos graves problemas nacionais. Do mesmo modo, as eleições só terão essa virtude regenerado­ra se o eleitor se conscienti­zar de que políticos corruptos e oportunist­as não surgem por abiogênese – alguém os colocou lá. Renunciar à intransfer­ível responsabi­lidade de escolher bem os representa­ntes políticos significa lavar as mãos e aceitar a degradação da democracia.

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