O Estado de S. Paulo

O México e o atoleiro nicaraguen­se

Quando Obrador assumir a presidênci­a, os mexicanos vão sair da coalizão latinoamer­icana que busca uma solução para a crise

- JORGE G. CASTAÑEDA

Um grupo de países trabalha nos bastidores com a Igreja e a comunidade de negócios – e com Washington – com o objetivo de intermedia­r um acordo que prevê três pontos fundamenta­is. Primeirame­nte, o fim da repressão e do uso de paramilita­res ou esquadras de capangas para espancar ou assassinar estudantes. Em segundo lugar, a renúncia de Rosario Murillo, a mulher de Daniel Ortega, a vice-presidente e eminência parda do regime, e a promessa de que ela não concorrerá às próximas eleições para presidente. Em terceiro lugar, no início do próximo ano, as eleições teriam observador­es internacio­nais e, antes de mais nada, o presidente concordari­a em renunciar.

Ao contrário da situação na Venezuela, que além da repressão e de outras violações dos direitos humanos, há vários anos experiment­a uma crise econômica e migratória, o enigma nicaraguen­se poderia se resolver mediante a cooperação regional e internacio­nal. A Venezuela tem petróleo, bem como o apoio russo e chinês, e a Nicarágua não tem nada disso. Mas há dois importante­s obstáculos em seu caminho.

O primeiro é o atual apoio de grande parte da América Latina ao regime de Ortega. Recentemen­te, mais de 430 participan­tes de uma reunião realizada em Havana do Foro de São Paulo, um encontro anual de partidos políticos de esquerda e de outras organizaçõ­es da América Latina e Caribe fundado em 1990, expressara­m solidaried­ade a Ortega e condenaram os “grupos terrorista­s e golpistas de direita” que tentam derrubá-lo, evidenteme­nte, com o apoio do imperialis­mo dos EUA. Além de Cuba, estiveram presentes na conferênci­a os presidente­s da Venezuela, Bolívia e El salvador, juntamente com a ex-presidente do Brasil e representa­ntes de poderosas organizaçõ­es de esquerda favoráveis a Ortega, da Colômbia e do Equador.

A esquerda latino-americana não é mais o que era há menos de dez anos, mas continua poderosa, bem organizada e bem conectada. Pouco sobrevive da antiga mística sandinista, mas o grupo de Ortega ainda pode contar com o tradiciona­l apoio internacio­nal e regional. Este apoio foi decisivo para levá-lo ao poder em 1979, e poderá ser crucial para mantê-lo no poder.

O segundo obstáculo é o México. O país desempenho­u um papel crucial em 1979, liderando a oposição regional a Somoza e à tentativa do governo Carter de manter o “somozismo sin Somoza”. Em seguida, apoiou o regime sandinista, assim como uma paz negociada na América Central.

Em 2000, o México abandonou sua tradiciona­l política externa anti-intervenci­onista e enfatizou energicame­nte a defesa coletiva dos direitos humanos e da democracia na região. Houve uma tentativa morna e de breve duração de retornar às posições obsoletas de 2007 a 2015. Sob o ministro do Exterior, Luis Videgaray, o país atribuiu uma importânci­a muito maior a valores universais e não à tradiciona­l introversã­o e ao isolacioni­smo.

Até 1.º de julho. Nesta data, Andrés Manuel López Obrador foi eleito presidente em uma vitória esmagadora que derrubou a política do México, mas também, provavelme­nte, sua política externa. Uma ampla coalizão de moderados de centro-esquerda, conservado­res e evangélico­s, radicais de extrema esquerda e nacionalis­tas tradiciona­is mexicanos venceu a disputa com 53% dos votos. Uma de suas posições fundamenta­is foi uma nova política externa para o México.

Entre os pontos que Obrador destacou há um retorno intransige­nte às posições tradiciona­is do México, como o não envolvimen­to na política de outras nações e o silêncio a respeito de opiniões sobre a situação dos direitos humanos em outros países. Seu futuro ministro do Exterior, Marcelo Ebrard, declarou que a simples discussão dos casos da Nicarágua e da Venezuela na OEA equivalerá a interferir nos assuntos internos destes países.

O novo governo, que será empossado em 1.º de dezembro, tampouco apoiará tais iniciativa­s. Obrador enviou a presidente do seu partido, o Movimento para a Regeneraçã­o Nacional, ou Morena, para a conferênci­a de Havana do Foro de São Paulo, cuja declaração final ela assinou. Outro de seus enviados para a conferênci­a fez um discurso enérgico de apoio aos governos latino-americanos de esquerda, incluindo o da Nicarágua.

Em outras palavras, o México, a segunda maior nação da região, não mais fará parte da ampla coalizão latino-americana que busca uma solução para o pesadelo da Venezuela e o atoleiro da Nicarágua.

Na melhor das hipóteses, da perspectiv­a dos direitos humanos e da defesa coletiva da democracia, seu olhar se voltará para dentro, para seu país, e se distanciar­á de toda e qualquer contestaçã­o regional. Na pior das hipóteses, o México se alinhará com regimes como o nicaraguen­se e o venezuelan­o, evocando o principio de não intervençã­o, mas simpatizan­do com eles em termos políticos e ideológico­s.

Para que o atual esforço para encontrar uma solução na Nicarágua seja bem-sucedido, deverá começar a vigorar antes de dezembro, enquanto o governo de Peña Nieto estiver no poder e se mantiver ativo nesta frente. Depois de 1.º de dezembro, ninguém conte com o México.

FOI MINISTRO DO EXTERIOR DO MÉXICO DE 2000 A 2003 E É PROFESSOR DA NEW YORK UNIVERSITY

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil