O México e o atoleiro nicaraguense
Quando Obrador assumir a presidência, os mexicanos vão sair da coalizão latinoamericana que busca uma solução para a crise
Um grupo de países trabalha nos bastidores com a Igreja e a comunidade de negócios – e com Washington – com o objetivo de intermediar um acordo que prevê três pontos fundamentais. Primeiramente, o fim da repressão e do uso de paramilitares ou esquadras de capangas para espancar ou assassinar estudantes. Em segundo lugar, a renúncia de Rosario Murillo, a mulher de Daniel Ortega, a vice-presidente e eminência parda do regime, e a promessa de que ela não concorrerá às próximas eleições para presidente. Em terceiro lugar, no início do próximo ano, as eleições teriam observadores internacionais e, antes de mais nada, o presidente concordaria em renunciar.
Ao contrário da situação na Venezuela, que além da repressão e de outras violações dos direitos humanos, há vários anos experimenta uma crise econômica e migratória, o enigma nicaraguense poderia se resolver mediante a cooperação regional e internacional. A Venezuela tem petróleo, bem como o apoio russo e chinês, e a Nicarágua não tem nada disso. Mas há dois importantes obstáculos em seu caminho.
O primeiro é o atual apoio de grande parte da América Latina ao regime de Ortega. Recentemente, mais de 430 participantes de uma reunião realizada em Havana do Foro de São Paulo, um encontro anual de partidos políticos de esquerda e de outras organizações da América Latina e Caribe fundado em 1990, expressaram solidariedade a Ortega e condenaram os “grupos terroristas e golpistas de direita” que tentam derrubá-lo, evidentemente, com o apoio do imperialismo dos EUA. Além de Cuba, estiveram presentes na conferência os presidentes da Venezuela, Bolívia e El salvador, juntamente com a ex-presidente do Brasil e representantes de poderosas organizações de esquerda favoráveis a Ortega, da Colômbia e do Equador.
A esquerda latino-americana não é mais o que era há menos de dez anos, mas continua poderosa, bem organizada e bem conectada. Pouco sobrevive da antiga mística sandinista, mas o grupo de Ortega ainda pode contar com o tradicional apoio internacional e regional. Este apoio foi decisivo para levá-lo ao poder em 1979, e poderá ser crucial para mantê-lo no poder.
O segundo obstáculo é o México. O país desempenhou um papel crucial em 1979, liderando a oposição regional a Somoza e à tentativa do governo Carter de manter o “somozismo sin Somoza”. Em seguida, apoiou o regime sandinista, assim como uma paz negociada na América Central.
Em 2000, o México abandonou sua tradicional política externa anti-intervencionista e enfatizou energicamente a defesa coletiva dos direitos humanos e da democracia na região. Houve uma tentativa morna e de breve duração de retornar às posições obsoletas de 2007 a 2015. Sob o ministro do Exterior, Luis Videgaray, o país atribuiu uma importância muito maior a valores universais e não à tradicional introversão e ao isolacionismo.
Até 1.º de julho. Nesta data, Andrés Manuel López Obrador foi eleito presidente em uma vitória esmagadora que derrubou a política do México, mas também, provavelmente, sua política externa. Uma ampla coalizão de moderados de centro-esquerda, conservadores e evangélicos, radicais de extrema esquerda e nacionalistas tradicionais mexicanos venceu a disputa com 53% dos votos. Uma de suas posições fundamentais foi uma nova política externa para o México.
Entre os pontos que Obrador destacou há um retorno intransigente às posições tradicionais do México, como o não envolvimento na política de outras nações e o silêncio a respeito de opiniões sobre a situação dos direitos humanos em outros países. Seu futuro ministro do Exterior, Marcelo Ebrard, declarou que a simples discussão dos casos da Nicarágua e da Venezuela na OEA equivalerá a interferir nos assuntos internos destes países.
O novo governo, que será empossado em 1.º de dezembro, tampouco apoiará tais iniciativas. Obrador enviou a presidente do seu partido, o Movimento para a Regeneração Nacional, ou Morena, para a conferência de Havana do Foro de São Paulo, cuja declaração final ela assinou. Outro de seus enviados para a conferência fez um discurso enérgico de apoio aos governos latino-americanos de esquerda, incluindo o da Nicarágua.
Em outras palavras, o México, a segunda maior nação da região, não mais fará parte da ampla coalizão latino-americana que busca uma solução para o pesadelo da Venezuela e o atoleiro da Nicarágua.
Na melhor das hipóteses, da perspectiva dos direitos humanos e da defesa coletiva da democracia, seu olhar se voltará para dentro, para seu país, e se distanciará de toda e qualquer contestação regional. Na pior das hipóteses, o México se alinhará com regimes como o nicaraguense e o venezuelano, evocando o principio de não intervenção, mas simpatizando com eles em termos políticos e ideológicos.
Para que o atual esforço para encontrar uma solução na Nicarágua seja bem-sucedido, deverá começar a vigorar antes de dezembro, enquanto o governo de Peña Nieto estiver no poder e se mantiver ativo nesta frente. Depois de 1.º de dezembro, ninguém conte com o México.
FOI MINISTRO DO EXTERIOR DO MÉXICO DE 2000 A 2003 E É PROFESSOR DA NEW YORK UNIVERSITY