O Estado de S. Paulo

NA CARONA DO ESCÂNDALO ARGENTINO

Motorista delator que registrou propinas em 8 cadernos diz que os queimou na churrasque­ira

- / NYT, TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Omotorista fez inúmeras anotações. Em cadernos espiral usados comumente pelas crianças nas escolas, Oscar Centeno registrou meticulosa­mente as viagens que fez durante uma década transporta­ndo sacos de dinheiro para serem entregues a autoridade­s do governo, sacolas enviadas por empresário­s contemplad­os com grandes contratos de obras públicas.

Os oito cadernos de Centeno estão no centro de uma ampla investigaç­ão de corrupção divulgada na semana passada, com dezenas de buscas efetuadas e a prisão de 16 pessoas. A ação inquietou a elite empresaria­l e política de um país onde a corrupção raramente resulta em punições significat­ivas. Alguns argentinos têm comparado o caso com a investigaç­ão da Lava Jato no Brasil.

Mesmo que o país seja um terreno conhecido de grande escândalos, é a primeira vez que tantos empresário­s são presos. A maioria dos implicados até agora são aliados próximos do ex-presidente Néstor Kirchner e de sua mulher e sucessora, Cristina Kirchner. Mas alguns são do entorno do atual governo, como Javier Sánchez Caballero, ex-diretor da IECSA, companhia que pertenceu ao grupo empresaria­l da família do presidente, Mauricio Macri.[O escândalo é um novo desafio para um Judiciário que jamais conseguiu prender pessoas poderosas acusadas de corrupção. Segundo analistas, os tribunais argentinos são submetidos à pressão política e os promotores estão impedidos de fazer o mesmo tipo de acordos de cooperação que foram cruciais para o sucesso da investigaç­ão brasileira. Segundo outros especialis­tas, entretanto, o caso poderá justamente provocar uma reviravolt­a nas investigaç­ões de crimes de colarinho branco na Argentina.

Centeno, ex-militar, poderá ser o primeiro beneficiár­io grande de uma lei aprovada em 2016 que estabelece­u um mecanismo para acordos de leniência e delação.

Embora as anotações que ele fez enquanto atuou como motorista de um membro do alto escalão do ministério do Planejamen­to, Roberto Baratta, tenham detalhado propinas equivalent­es a US$ 53 milhões, os investigad­ores afirmam que o valor real pode ser próximo de

Delator. Oscar Centeno, sob a guarda de policiais

US$ 160 milhões.

O “remisero”, termo que define na Argentina os taxistas independen­tes que trabalham em geral nos bairros menos nobres, foi solto na sexta-feira, mas é mantido sob vigilância. Em seu último depoimento, ele disse ter queimado as anotações originais na churrasque­ira do fundo de casa.

Detalhes sobre valores de propina, personagen­s e lugares de entrega, anotados por ele entre 2005 e 2015 nos cadernos, não vieram a público por sua vontade. Só foram conhecido s porque outro motorista, um ex-policial, Jorge Bacigalupo, foi encarregad­o pelo amigo de guardar as anotações no fim do ano passado. Foi Bacigalupo quem tomou a iniciativa de levar os cadernos ao jornal La Nación em 8 de janeiro.

Depois de meses analisando os registros, o jornal enviou cópias para a Justiça. Em uma coluna no jornal, Diego Cabot, o repórter que recebeu os cadernos, mas só os publicou depois de as autoridade­s revelarem a investigaç­ão, disse que não quis que se precipitar, pois poderia atrapalhar a investigaç­ão.

A ex-presidente foi convocada para depor no dia 13. O juiz encarregad­o do caso, Claudio Bonadio, pediu permissão ao Senado para ordenar buscas em suas casas e escritório­s, enquanto prepara um novo pedido para retirar a imunidade legal da expresiden­te, que é senadora.

Desde que o escândalo veio a público, as autoridade­s fizeram buscas em algumas empresas importante­s, incluindo a sede do Grupo Techint, maior produtor de aço da Argentina e uma das maiores empresas do país.

O motorista Centeno não deve ser o único delator. O executivo Juan Carlos de Goycoechea, encarregad­o de grandes contratos representa­ndo a Isolux, já aceitou depor.

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SANTIAGO FILIPUZZI/AFP

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