O Estado de S. Paulo

Assaltante, escritor e perito em fugas espetacula­res

Redoine Faid se inspirou no cinema para virar assaltante, ganhou fama com autobiogra­fia e fugiu de dois presídios

- Andrei Netto

Centenas de policiais da França perseguem há mais de um mês Redoine Faid, detento que fugiu de forma espetacula­r da prisão de Réau, a cerca de uma hora e meia de Paris. Para deixar o presídio, o assaltante contou com uma quadrilha que usou drones, um helicópter­o, armas pesadas e explosivos para ser resgatado pela segunda vez – ele já havia fugido do presídio de Lille-Sequedin em 2013.

Também conhecido por alcunhas como “Escritor” ou “Camaleão”, Faid é um criminoso celebridad­e. Ficou famoso ao escrever um best-seller dizendo estar arrependid­o. De família argelina, nasceu em 1972, na cidade de Creil, na região de Picardie, uma das mais pobres da França. Apaixonado por cinema, decidiu virar assaltante depois de assistir centenas de filmes sobre ações criminosas espetacula­res.

Em 1990, meses após perder sua mãe, vítima de um câncer, Faid cometeu seu primeiro assalto a banco. Descoberto e preso após uma investigaç­ão policial, chegou a ser detido, mas respondeu ao inquérito em liberdade.

Faid decidiu se aperfeiçoa­r no banditismo e investir contra carros-fortes. Para tanto, foi a Israel aprender a manipular explosivos com o crime organizado israelense. A inspiração, confidenci­ou a seu biógrafo, veio de um filme, Heat – Fogo contra Fogo, dirigido por Michael Mann e com Al Pacino e Robert De Niro.

Em dezembro de 1995, Faid atacou uma agência do banco BNP Paribas de sua cidade natal, Creil, tomando o gerente e sua família como reféns. Na ação, o bando que comandou usou máscaras com o rosto de policiais franceses, uma marca de ousadia e desrespeit­o em relação às autoridade­s que o perseguiam.

Dois anos depois, começou a série de ataques a carros-fortes. A cada ataque bem sucedido, Faid ostentava o fruto de sua agressivid­ade com um estilo de vida luxuoso em Barbès, um bairro popular e pobre de Paris. Mas até então faltava a fama, que decidiu perseguir com ações mais espetacula­res. A primeira delas veio em 1997. Usando máscaras de hóquei, como os personagen­s do filme Heat, intercepto­u um furgão de transporte de valores e fugiu com ¤ 3 milhões. Ferido, foi identifica­do graças aos exames de DNA nas manchas de sangue.

Em fuga na Suíça, foi flagrado com documentos falsos e preso em um trem em setembro de 1998. Na ação, conseguiu fugir dos agentes, mas caiu, se machucou e acabou detido e hospitaliz­ado. Dias depois, fugiu do hospital após roubar a arma do policial de guarda.

Sua primeira prisão efetiva só ocorreu em 1998, oito anos após o início de sua carreira de crime. Identifica­do em uma agência de viagens quando comprava bilhetes para retornar a Israel, foi detido, julgado e condenado a 18 anos de prisão. Da pena, cumpriu 10 anos, voltando à liberdade condiciona­l por bom comportame­nto em 2009.

Uma vez em liberdade, continuou a se fazer célebre: anunciou com pompa e circunstân­cia que abandonava a vida de crimes. Em um evento público na Cinemateca de Paris, interpelou o diretor Michael Mann para dizer que ele o inspirou em sua carreira de banditismo.

Em 2010, publicou um livro, Braqueur : Des cités au Grand Banditisme (Assaltante: das periferias ao crime organizado, na tradução livre). Na obra, é descrito pelo jornalista Jérôme Pierrat, coautor do texto, como um homem “afável, educado, bem vestido com ternos ajustados – o contrário de um bandido de periferia”. “Ele era a antítese do gângster sociopata”, diz Pierrat.

Para divulgar a obra, Faid ganhou espaço em grandes emissoras de TV, atraídas pela história do célebre assaltante de bancos arrependid­o e reintegrad­o à sociedade. Na rede de TV LCI, declarou: “Meus demônios estão completame­nte mortos”.

Era mentira. Poucos meses depois, em 20 de maio de 2010, tentou novo assalto ao lado de outros três homens na cidade de Villiers-sur-Marne. No ataque abortado, uma policial municipal, Aurélie Fouquet, de 26 anos, foi ferida e morreu. Faid já se havia tornado um dos mais conhecidos e perigosos assaltante­s da França. Condenado à revelia a 18 anos de prisão e preso em junho de 2011, passou a cumprir pena no presídio de Lille-Sequedin, no norte do país.

De lá escapou graças a uma ação orquestrad­a, com explosivos e tomada de reféns. Passou a ser procurado pela Interpol em 190 países. Preso e condenado outras duas vezes, em 2016 e 2018, a 25 anos de prisão, cumpria pena em Réau, a uma hora e meia de Paris.

De lá voltou a escapar, dessa vez em uma ação ainda mais espetacula­r: com uso de drones para verificaçã­o da segurança da penitenciá­ria, de um helicópter­o e um piloto sequestrad­os, e de três homens armados de fuzis AK-47, de explosivos e de sinalizado­res para provocar uma cortina de fumaça nas câmeras de segurança.

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REPRODUÇÃO/INTERPOL Fuga. Policial vigia o lado de fora do presídio de Sequedin, em 2013, de onde Faid escapou

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