O Estado de S. Paulo

DE PAI PARA FILHO, NAS RODINHAS DE ROLIMÃ

Popular nos anos 1970 e 1980, brinquedo volta à cena paulistana com ares de modernidad­e

- Júlia Marques

Sem hora marcada, a meninada brotava na rua. Subia a ladeira e, então, cada um em seu carrinho fazia de freio a sola do pé. Os tombos, frequentes, eram parte da brincadeir­a. Sucesso nas décadas de 1970 e 1980, o rolimã deu lugar aos congestion­amentos nas grandes cidades. Hoje, voltam à cena empurrados por festivais. Eventos em ruas fechadas só para carrinhos de rolimã em São Paulo vêm atraindo milhares de pessoas de todas as idades. Enquanto os mais velhos sentem o gosto da nostalgia, os pequenos experiment­am o frio na barriga que conheciam apenas de histórias contadas pelos pais e avós.

“Falo com meus filhos que, quando era moleque, passava nas oficinas atrás dos rolamentos. Fazia com meu pai o carrinho”, diz o contador Eduardo Franze, de 46 anos. Pai de Guilherme, de 10, e das gêmeas Isadora e Helena, de 6, ele conta que o mais velho ganhou um carrinho de rolimã do tio – e então

a brincadeir­a recomeçou. Em junho deste ano, participar­am de um evento na Mooca, zona leste de São Paulo. Lá, encontrara­m milhares de crianças – as grandes e as pequenas – cada uma com seu “possante”.

Desde que se divertiram na Rua Jumana, na Mooca, Guilherme não tirou o passeio da cabeça. “Estou me imaginando descendo aqui de novo”, disse o menino dia desses, ao passar de carro com os pais pelo local. Enquanto espera pelo próximo evento, no dia 19, a família se diverte em parques ou ruas menos

movimentad­as perto de casa. “Vejo que as famílias estão construind­o seus próprios carrinhos”, diz Márcio Fernandes, de 46 anos, dono da Mulek de Rua, empresa que vende o brinquedo e organiza eventos em São Paulo, como o da Mooca.

Segundo Fernandes, tudo começou há quatro anos, quando a filha Isabela, que tinha 8, ganhou um carrinho do avô, de 90. No Parque da Independên­cia, na zona sul, o pai levou Isabela para um passeio com o brinquedo novo. “Achava que seria meia hora, mas durou a tarde inteira. Mais de cem pessoas pediram para andar no carrinho.” A ideia ganhou força: no mesmo parque, na semana passada, um evento de rolimã da Mulek de Rua reuniu mais de 5 mil.

Conexão. Carrinhos estilizado­s como os dos Flintstone­s e da Penélope Charmosa e até modelos personaliz­ados e tamanho família, como o do corretor de seguros Luis Fernando da Cruz, de 50 anos, fazem sucesso. “Queria uma forma de tirar minha filha do iPad e do celular. Fui ao Gasômetro (no Brás), comprei madeira, parafusade­ira. Ela ficou até 23 horas fazendo comigo. Hoje, a gente vai a todos os passeios e fica o dia inteiro”, diz ele, pai da Marina, de 12. Cada um com seu brinquedo, mãe, pai e filha até viajam a Vinhedo, no interior, onde há corridas mensais. Querem trocar de carro (o de verdade), mas estão preocupado­s se os carrinhos vão caber no novo veículo.

“Meu pai sempre falava das brincadeir­as de antigament­e, de onde descia. Queria ter nascido nessa época”, conta Marina, dona de um carrinho de rolimã cor-de-rosa. “Dá aquele frio na barriga, mas é bom”, diz ela, que garante ter caído só uma vez.

Pai e filha também enfrentam as ladeiras do bairro onde moram,

na zona norte, e têm plateia. “Um monte de gente sai na rua para olhar.”

A moda também chegou ao Rio – onde ganhou ares de modernidad­e. Desde fevereiro, a molecada do bairro Santa Cruz, na zona oeste, se reúne todas as manhãs de domingo para descer uma rua de carrinho de rolimã. “Vão, em média, 50 carrinhos”, diz o funcionári­o público Demétrio Martins, de 50 anos. O grupo escolheu um nome – Velozes da Ladeira –, tem até fórum no WhatsApp, mas dificuldad­e em iniciar os jovens na marcenaria para confeccion­ar o brinquedo. “Muito pai de 30 anos não sabe a diferença entre prego e parafuso.”

O aposentado João Carlos Slaviski, de 71 anos, deu uma mão ao filho, de 35. Os dois e o neto Miguel, de 5, foram pela primeira vez a um evento de rolimã no ano passado, na zona norte de São Paulo, com o próprio carrinho feito em casa e, depois disso, não pararam mais. “Antes, usava até parafuso enferrujad­o. Hoje, é mais sofisticad­o, tem freio”, compara Slaviski. Apesar de mais “gourmet”, a nova velha brincadeir­a não decepciona. “É gostoso. E o corpo fica leve, levinho.”

 ?? WERTHER SANTANA/ESTADÃO ?? Gerações. Franze e os filhos abraçaram brincadeir­a com rolimã
WERTHER SANTANA/ESTADÃO Gerações. Franze e os filhos abraçaram brincadeir­a com rolimã
 ?? MARCOS MARTINEZ-10/6/2018 ?? Moda. Festival em rua fechada na Mooca reuniu 7 mil
MARCOS MARTINEZ-10/6/2018 Moda. Festival em rua fechada na Mooca reuniu 7 mil

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