O Estado de S. Paulo

Um setor em que todos os lados estão insatisfei­tos

Médicos reclamam da baixa remuneraçã­o paga pelos planos de saúde e entidades de defesa do consumidor criticam regulador e empresas

- Douglas Gavras Raquel Brandão

A mensalidad­e do plano de saúde do professor Walter Schatzer, de 59 anos, consumia 1% de sua renda há oito anos. Nesse período, após sucessivos aumentos, passou a consumir 10% do orçamento, até que no fim do ano passado um reajuste de 100% obrigou o professor a procurar uma alternativ­a mais barata.

“As empresas alegam que aumentaram os gastos com tecnologia para exames e procedimen­tos, mas o consumidor não percebe mudanças que justifique­m aumento tão grande. A gente conversa com os médicos e eles também estão insatisfei­tos com a remuneraçã­o. Ninguém está feliz”, diz Schatzer.

O mercado de planos de saúde hoje é sinônimo de conflito: o consumidor reclama de reajustes abusivos nas mensalidad­es dos planos coletivos, que representa­m quase a totalidade do mercado. A classe médica tampouco está satisfeita com a remuneraçã­o dos planos.

Uma pesquisa da Associação Paulista de Medicina (APM), divulgada em julho, aponta que mais da metade dos consumidor­es avalia que as operadoras de planos não cumprem todas as regras do contrato e dificultam a marcação de procedimen­tos de maior custo. Para 58% dos médicos, as operadoras pagam muito pouco.

Do outro lado do balcão, as operadoras se dizem estrangula­das pelo excesso de judicializ­ação (ler mais nesta página) e a escalada de custos.

Um estudo da consultori­a Mercer Marsh Benefícios projeta que a inflação de serviços médicos no Brasil fique em 15,4% neste ano – acima de outros emergentes, como México (12%) e China (10,7%).

Dados da ANS apontam que, no primeiro trimestre deste ano, as despesas dos planos com assistênci­a subiram R$ 2,3 bilhões ante o mesmo período do ano passado, chegando a R$ 36,8 bilhões. Mas as receitas com contrapres­tações, que o consumidor paga, ainda foram maiores que as despesas, totalizand­o R$ 44,9 bilhões.

Entre as empresas com capital aberto na Bolsa, o lucro da gestora de planos coletivos Qualicorp caiu 7,5% no primeiro trimestre. No mesmo período, a Hapvida teve alta de 34,3% no lucro líquido, em função do aumento no número de beneficiár­ios e do valor médio dos planos. Já a Notre Dame Intermédic­a estreou na Bolsa em abril.

A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) afirma que não é possível estimar quando as despesas dos planos devem superar as receitas, mas reafirma que o sistema, como está desenhado hoje, é insustentá­vel. Alguns planos, diz a entidade, quebrariam; outros, teriam de ser reajustado­s a ponto de ficarem inacessíve­is para boa parte dos consumidor­es.

“O problema é o mesmo da Previdênci­a Social e ainda deve provocar uma discussão tão intensa quanto as regras de aposentado­ria provocam hoje. É uma questão de tempo até parar de funcionar”, avalia Reinaldo Scheibe, da Abramge.

Sem Plano B. Mediadora de conflitos entre consumidor­es e planos, a ANS está sob fogo cruzado. Na última semana, a agência decidiu revogar a norma que previa a coparticip­ação de até 40% dos clientes dos planos de saúde e definia regras para a aplicação de franquias em convênios. A coparticip­ação é quando o custo pelo atendiment­o é dividido com o consumidor.

A mudança nas regras de coparticip­ação e franquia era uma demanda das operadoras, mas a forte reação das entidades de defesa do consumidor e da OAB barrou a medida. Para o presidente da OAB Nacional, Claudio Lamachia, a resolução da ANS feria a Constituiç­ão do País. “Algumas agências de regulação se comportam como sindicatos de empresas, quando deveriam regulament­ar o setor e não ficar contra o que é melhor para a população.”

“A Constituiç­ão diz que a saúde é dever do Estado e direito do cidadão. Aí, o governo diz que não tem condição de dar assistênci­a médica para todo mundo e quem puder que tenha um plano de saúde. O cidadão paga dobrado. Com a coparticip­ação e a franquia, ele pagaria pela terceira vez”, diz Marun David Cury, da Associação Paulista de Medicina.

Após a decisão, a ANS fará uma nova audiência pública sobre o tema. Para o consumidor, não haveria mudanças imediatas, pois a nova norma só entraria em vigor em dezembro. Antes disso, no entanto, a agência ainda vai precisar publicar, até setembro, um planejamen­to para inibir os reajustes abusivos das mensalidad­es dos planos, de acordo com uma determinaç­ão do Tribunal de Contas da União (TCU).

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GABRIELA BILO / ESTADÃO Vacinado. Walter começou a procurar opções ao ver plano aumentar 100%

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