Coworking em questão
Escrevo estas mal traçadas linhas apoiado numa bancada organizada com iluminação, tomadas e cabos, internet banda larga, ar condicionado, em um ambiente seguro e agradável com funcionários bem treinados, café fresquinho e, no final do dia, um chope gelado em companhia de pessoas descoladas. Tudo isso foi possível graças a um empreendedor que pensou em cada detalhe deste espaço compartilhado, denominado coworking.
Qual a relação jurídica entre o empresário que ofereceu tudo isso e o usuário, que paga o preço estipulado? Conforme a resposta, diferentes serão as consequências jurídicas – e econômicas, por certo. Se a relação for de locação, o locador, por exemplo, jamais poderá rescindir o pacto antes da data contratada, exceto se cometidas infrações; somente será possível a retomada por meio de ação de despejo; se ocorrer sublocação, o valor do aluguel pago pelo sublocatário estará limitado ao valor do aluguel pago ao locador, sob a pena de tipificar-se contravenção penal. E assim por diante.
De outro lado, considerando-se existente relação de prestação de serviços, incidirá outra legislação, o Código de Defesa do Consumidor, acarretando uma série de responsabilidades ao empreendedor do coworking e ocorrerá taxação por meio do ISS.
É certo que a lei das locações não mencionou o coworking dentre as situações excluídas de sua incidência (caso dos flats, por exemplo), mas também é verdade que não parece falar-se aqui de locação, de onde sequer se esperar que dela a lei de locações um dia cuide. E, é lógico, em 1991, quando editada a lei, sequer se falava de coworking.
Estudiosos da ciência da administração e dos negócios já se debruçaram sobre o tema, ora definindo que coworking é trabalhar lado a lado, sem relacionamento fixo; ora emprestando maior valia à construção de comunidades e a interação decorrente; ora relevando a constituição do polo (hub) que propicie ou gere relações entre participantes, promovendo network em moldes jamais vistos.
Espalham-se estudos acerca dos novos comportamentos que decorrem e, por igual, desenvolvem esses polos: quanto, como e quando falar, oferecer, partilhar, emprestar, associar em moldes diferentes, por aí vão análises interessantes de tudo que cerca essa novidade. O imóvel, propriamente dito, tem aspecto suplementar, secundário: é evidente que há de estar o espaço em área desejada, apropriada; mas dificilmente se cogita de situação estática ou imutável, a afastar a conotação de locação, contrato em que um cede ao outro o uso e gozo de determinada “coisa” determinada (o local, infungível) mediante certa remuneração.
Aqui, a “coisa” (o imóvel) é o de menos. Relevante é o serviço, exatamente como ocorre em um sem número de atividades muito mais importantes que os locais em que são desempenhadas como, por exemplo, um restaurante, em que produto e serviço importam mais que o local. Em outras palavras: o foco está no serviço e não na cessão do uso do espaço (que retrataria a locação).
Logo, basta dar preponderância ao que é mais relevante, enxergar o que acontece, para se concluir que não é “locação” o que ocorre nesses centros contemporâneos, com características tão distintas daqueles gabinetes em que se poderia, lá sim e há muito tempo, cogitar de “mal traçadas linhas”.