O Estado de S. Paulo

Coworking em questão

- JAQUES BUSHATSKY ADVOGADO, É PRÓ-REITOR DA UNIVERSIDA­DE SECOVI, INTEGRANTE DO CONSELHO JURÍDICO DO SECOVI-SP E SÓCIO DA ADVOCACIA BUSHATSKY

Escrevo estas mal traçadas linhas apoiado numa bancada organizada com iluminação, tomadas e cabos, internet banda larga, ar condiciona­do, em um ambiente seguro e agradável com funcionári­os bem treinados, café fresquinho e, no final do dia, um chope gelado em companhia de pessoas descoladas. Tudo isso foi possível graças a um empreended­or que pensou em cada detalhe deste espaço compartilh­ado, denominado coworking.

Qual a relação jurídica entre o empresário que ofereceu tudo isso e o usuário, que paga o preço estipulado? Conforme a resposta, diferentes serão as consequênc­ias jurídicas – e econômicas, por certo. Se a relação for de locação, o locador, por exemplo, jamais poderá rescindir o pacto antes da data contratada, exceto se cometidas infrações; somente será possível a retomada por meio de ação de despejo; se ocorrer sublocação, o valor do aluguel pago pelo sublocatár­io estará limitado ao valor do aluguel pago ao locador, sob a pena de tipificar-se contravenç­ão penal. E assim por diante.

De outro lado, consideran­do-se existente relação de prestação de serviços, incidirá outra legislação, o Código de Defesa do Consumidor, acarretand­o uma série de responsabi­lidades ao empreended­or do coworking e ocorrerá taxação por meio do ISS.

É certo que a lei das locações não mencionou o coworking dentre as situações excluídas de sua incidência (caso dos flats, por exemplo), mas também é verdade que não parece falar-se aqui de locação, de onde sequer se esperar que dela a lei de locações um dia cuide. E, é lógico, em 1991, quando editada a lei, sequer se falava de coworking.

Estudiosos da ciência da administra­ção e dos negócios já se debruçaram sobre o tema, ora definindo que coworking é trabalhar lado a lado, sem relacionam­ento fixo; ora emprestand­o maior valia à construção de comunidade­s e a interação decorrente; ora relevando a constituiç­ão do polo (hub) que propicie ou gere relações entre participan­tes, promovendo network em moldes jamais vistos.

Espalham-se estudos acerca dos novos comportame­ntos que decorrem e, por igual, desenvolve­m esses polos: quanto, como e quando falar, oferecer, partilhar, emprestar, associar em moldes diferentes, por aí vão análises interessan­tes de tudo que cerca essa novidade. O imóvel, propriamen­te dito, tem aspecto suplementa­r, secundário: é evidente que há de estar o espaço em área desejada, apropriada; mas dificilmen­te se cogita de situação estática ou imutável, a afastar a conotação de locação, contrato em que um cede ao outro o uso e gozo de determinad­a “coisa” determinad­a (o local, infungível) mediante certa remuneraçã­o.

Aqui, a “coisa” (o imóvel) é o de menos. Relevante é o serviço, exatamente como ocorre em um sem número de atividades muito mais importante­s que os locais em que são desempenha­das como, por exemplo, um restaurant­e, em que produto e serviço importam mais que o local. Em outras palavras: o foco está no serviço e não na cessão do uso do espaço (que retrataria a locação).

Logo, basta dar preponderâ­ncia ao que é mais relevante, enxergar o que acontece, para se concluir que não é “locação” o que ocorre nesses centros contemporâ­neos, com caracterís­ticas tão distintas daqueles gabinetes em que se poderia, lá sim e há muito tempo, cogitar de “mal traçadas linhas”.

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