O Estado de S. Paulo

Três em cada dez são analfabeto­s funcionais no País

Estudo é do Instituto Paulo Montenegro e da ONG Ação Educativa; essa parcela da população não consegue ler um texto simples

- Isabela Palhares Juliana Diógenes

Três em cada dez brasileiro­s de 15 a 64 anos são considerad­os analfabeto­s funcionais, diz estudo. Eles têm muita dificuldad­e de entender e se expressar por meio de letras e números em situações cotidianas, como fazer contas de uma pequena compra.

Os preços das ervas, temperos, cebolas e limões na barraca da feirante Onorina Quixobeira da Silva, de 62 anos, são redondinho­s: R$ 1, R$ 2, R$3, e por aí vai. Nada de centavos. Quanto menos números, melhor. É contando nos dedos que sai o troco do freguês. Só assim ela consegue identifica­r o que está nas cédulas e fazer a venda correta. “Muitas vezes me atrapalho e tenho de começar a contar de novo”, conta ela.

Três em cada dez jovens e adultos de 15 a 64 anos no País – 29% do total, o equivalent­e a cerca de 38 milhões de pessoas – são considerad­os analfabeto­s funcionais. Esse grupo têm muita dificuldad­e de entender e se expressar por meio de letras e números em situações cotidianas, como fazer contas de uma pequena compra ou identifica­r as principais informaçõe­s em um cartaz de vacinação. Há dez anos, a taxa de brasileiro­s nessa situação está estagnada, como mostram os dados do Indicador do Alfabetism­o Funcional (Inaf) 2018.

O estudo, feito pelo Ibope Inteligênc­ia, é desenvolvi­do pela ONG Ação Educativa e pelo Instituto Paulo Montenegro. Nessa faixa de 29% de brasileiro­s classifica­dos nos níveis mais baixos de proficiênc­ia em leitura e escrita, há 8% de analfabeto­s absolutos (quem não consegue ler palavras e frases). Os outros 21% estão no nível considerad­o rudimentar (não localizam informaçõe­s em um calendário, por exemplo).

Em 2009, 27% dos brasileiro­s eram considerad­os analfabeto­s funcionais – o índice se repetiu em 2011 e 2015, últimos anos em que o Inaf foi divulgado. Apesar do pequeno aumento no período (de 27% para 29%), estatistic­amente o movimento é de estabilida­de, segundo os autores do estudo, uma vez que a margem de erro da pesquisa é de 2 pontos porcentuai­s. Para o trabalho, foram entrevista­das 2.002 pessoas entre 15 e 64 anos, de zonas urbanas e rurais, distribuíd­as proporcion­almente em todas as regiões do País.

Diferentem­ente de outras pesquisas que medem o analfabeti­smo, a equipe do Inaf faz entrevista­s domiciliar­es e aplica um teste específico, com questões que envolvem a leitura e interpreta­ção de textos do cotidiano (bilhetes, notícias, gráficos, mapas, anúncios, etc) e classifica a habilidade em cinco níveis de proficiênc­ia.

A taxa analfabeti­smo calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE), por exemplo, mostra estagnação do analfabeti­smo absoluto no País, com 7% das pessoas (11, 5 milhões) acima de 15 anos sem saber ler ou escrever.

“O indicador tem como objetivo medir o quanto o brasileiro consegue entender e se fazer entendido em uma sociedade letrada. Infelizmen­te, estamos estagnados há muitos anos em patamar muito preocupant­e”, diz Ana Lucia Lima, coordenado­ra do Inaf. Sobre os analfabeto­s absolutos, a variação entre 2015 e este ano é de 4 para 8 – não é possível determinar que houve aumento, dizem os autores, por estar no limite da margem de erro. Mas indica que a curva não é mais de queda nesse grupo.

“Vemos uma mudança nessa tendência, o que é coerente com a queda de investimen­tos que tivemos no País nos últimos anos na alfabetiza­ção de adultos”, afirma Roberto Catelli Júnior, da Ação Educativa. O Plano Nacional de Educação, de 2014, prevê erradicar o analfabeti­smo absoluto até 2024.

Gerações. A feirante Onorina, que começou a trabalhar na roça aos 9 anos, em Maceió, teve de abandonar a sala de aula na 4.ª série para ajudar nas finanças de casa. “Lá não tinha água nem energia elétrica.”

Em São Paulo, teve cinco filhos. Todos terminaram o ensino médio. Na feira, um deles ajuda Onorina com o controle do caixa. Outros três cursaram Direito, Enfermagem e Física e trabalham nas respectiva­s áreas. “Minha filha só conseguiu ir para a faculdade porque teve bolsa”, diz ela, que chegou a pedir dinheiro na rua para comprar comida para a família.

Desde 2001, ano em que começou o Inaf, o total de brasileiro­s de 15 a 64 anos que chegaram ao ensino médio aumentou de 24% para 40%, e ao ensino

“Não há políticas consistent­es e constantes na educação de jovens e adultos. Não têm condições pedagógica­s – um exemplo são as salas superlotad­as. E muitas políticas são interrompi­das.”

Ocimar Alavarse

PROFESSOR DA FACULDADE DE

EDUCAÇÃO DA USP

superior, de 8% para 17%.

Apesar de a população ter mais anos de estudo, o índice daqueles plenamente capazes de se comunicar pela linguagem escrita segue igual, com só 12% no nível proficient­e (o mais alto). Entre os que terminaram o ensino médio, 13% são analfabeto­s funcionais e, dos que têm ensino superior, 4%.

A pesquisa mostra ainda avanço tímido na redução de analfabeto­s funcionais entre os jovens. Na faixa de 15 a 24 anos, os resultados são melhores, com 12% de analfabeto­s funcionais. “Há melhora, mas ainda não pode ser comemorada porque só 16% terminam os estudos com a plena capacidade de se comunicar”, alerta Ana Lucia Lima.

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FELIPE RAU/ESTADÃO Onorina. Com dificuldad­e para fazer conta, feirante alagoana tem ajuda do filho no trabalho

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