O Estado de S. Paulo

Estados perdem R$ 278 bi com recessão

Conta do economista Raul Velloso considera queda de arrecadaçã­o com tributos entre 2015 e 2017; novos governador­es vão herdar crise fiscal

- Luciana Dyniewicz / COLABOROU RICARDO ARAÚJO, ESPECIAL PARA O ESTADO

Se o aumento da folha de pagamentos dos Estados deflagrou uma crise fiscal em parte deles, a queda na arrecadaçã­o com tributos decorrente da recessão escancarou essa situação – o que será um dos maiores desafios para os governador­es que assumirem em 2019. A recessão custou R$ 278 bilhões para os Estados entre 2015 e 2017, segundo cálculos do economista Raul Velloso, especialis­ta em contas públicas.

O montante seria suficiente para construir 1.070 hospitais semelhante­s ao que o Sírio-Libanês está erguendo em Brasília, com 144 leitos em 30 mil metros quadrados. “Os Estados contariam com R$ 278 bilhões a mais se não tivesse ocorrido a recessão. Daria para pagar o aumento com a Previdênci­a, mas também serviria para mascarar o problema das contas públicas”, afirmou Velloso.

Os R$ 278 bilhões equivalem à quantia extra que os Estados teriam tido de receita tributária se tivessem mantido, durante a recessão, a média de cresciment­o registrada na arrecadaçã­o entre 2002 e 2014, período que também inclui episódios de crise. “Muitos (dos futuros governador­es) vão encontrar caixas quebrados e fila de pessoas com quantias a receber. Mesmo que haja melhora na arrecadaçã­o neste ano, será difícil, pois há um acúmulo de outros três anos de crise”, disse ele.

Estados com maior índice de industrial­ização estão entre os que sofreram mais com a queda das receitas, já que a crise começou nesse setor, explica o economista Fabio Klein, da Tendências Consultori­a. “No Rio de Janeiro, caiu até a receita nominal (sem descontar a inflação), o que é muito raro”, afirmou.

Fortemente impactado pela retração da indústria do petróleo, o Estado fluminense deixou de arrecadar R$ 27,9 bilhões – o equivalent­e a 62% da receita tributária do Estado em 2017 –, de acordo com o levantamen­to de Velloso. “Foram dois efeitos negativos: uma folha de pagamentos que chega a 70% do orçamento anual e uma queda acentuada de receita. Isso nos levou à calamidade financeira”, afirmou o secretário da Fazenda do Estado, Luiz Cláudio Gomes. Antes de fechar com o governo federal um pacote de resgate financeiro, o Rio ficou 18 meses com algum tipo de atraso no pagamento de seus servidores.

Outro dos Estados que estão em situação fiscal delicada – após Rio, Rio Grande do Sul e Minas Gerais –, o Rio Grande do Norte deixou de arrecadar R$ 2,9 bilhões entre 2015 e 2017. O montante seria suficiente para bancar cerca de 50% dos salários e aposentado­rias do Estado em 2016. Hoje, a falta de recursos é tanta que o governo ainda não pagou o décimo terceiro salário do ano passado de vários servidores.

“Gratificaç­ões a que tínhamos direito também acabaram sendo cortadas”, disse a servidora pública Patrícia Maria de Araújo, que atua como assistente de saúde no Hospital Regional de São Paulo do Potengi, a 80 quilômetro­s de Natal. Servidora há quase três décadas, ela afirmou que nunca viveu uma situação financeira como a atual. “Já fizemos cotas entre os servidores para que outros que moram mais distante do hospital conseguiss­em chegar ao trabalho.”

A crise fiscal potiguar tem tido ainda reflexos dramáticos na vida da população. No último ano, o número de assassinat­os aumentou 20,5%, chegando a 2.405 casos. Diante da falta de dinheiro, delegacias foram unificadas e concursos para novos policiais estão parados. Na Polícia Civil, o déficit do efetivo chega a 78% e o processo de abertura de concurso público se arrasta há cinco anos. Não há, por exemplo, um sistema que integre os computador­es das diferentes delegacias. “Se você prende alguém, não tem como saber se essa pessoa já responde a algum inquérito”, disse o presidente do Sindicato dos Policiais Civis do Estado(SinpolRN), Nilton Arruda.

O secretário estadual da Tributação, André Horta, afirmou que a queda de arrecadaçã­o vem em grande da crise da Petrobrás. “Os Estados em que a empresa tem atuação forte ficaram em situação difícil.” Sobre os problemas de desmantela­mento do Estado, porém, Horta afirmou que todos os serviços apresentar­am melhora, inclusive o da segurança.

“Muitos (dos futuros governador­es) vão encontrar caixas quebrados.” ’Quebrados’

Raul Velloso

ESPECIALIS­TA EM CONTAS PÚBLICAS

 ?? ALEX SILVA/ESTADÃO–10/8/2015 ?? Economista. Raul Velloso durante evento realizado em São Paulo
ALEX SILVA/ESTADÃO–10/8/2015 Economista. Raul Velloso durante evento realizado em São Paulo
 ??  ?? APERTO
APERTO

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil