O Estado de S. Paulo

Aborto: análise tem discussão entre Poderes

Para senador, prática só deveria ser debatida pelo Legislativ­o; ministra do STF discordou

- Fabiana Cambricoli / BRASÍLIA

O Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou no início da noite de ontem, audiência pública sobre descrimina­lização do aborto após uma tarde de debates acalorados e um desentendi­mento entre a ministra Rosa Weber, relatora do caso, e o senador Magno Malta (PR-ES), representa­nte da Frente em Defesa da Vida e da Família.

Ao longo de dois dias, 50 entidades médicas, religiosas e jurídicas, além de movimentos sociais, fizeram suas exposições, das quais 32 se manifestar­am a favor da descrimina­lização, 16, contra e 2 não deixaram clara a posição. O tribunal ouviu representa­ntes da sociedade para dar base ao julgamento de ação movida pelo PSOL que pede a liberação do procedimen­to até a 12.ª semana de gestação.

No momento mais tenso, Malta afirmou que “o Legislativ­o faz as leis e essa Casa (STF) é guardiã das leis. Cada um deve conhecer seu papel. Nos últimos tempos, temos assistido estarrecid­os ao ativismo judicial”, declarou o senador, que pediu que o STF “devolva ao Parlamento o que lhe é devido”, referindo-se ao debate.

Na sequência, Rosa Weber, que não tinha se manifestad­o até então, interrompe­u. “A nossa Constituiç­ão, em seu artigo 102, diz, com todas as letras: A ADPF (arguição de descumprim­ento de preceito fundamenta­l) decorrente desta Constituiç­ão será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal.”

Entre os contrários à descrimina­lização estão líderes de igrejas católicas e evangélica­s e juristas de associaçõe­s cristãs, que se manifestar­am pela manhã. Eles já haviam defendido que o Judiciário não tem competênci­a para mudar o entendimen­to do Código Penal sobre a proibição do aborto. Representa­nte da União dos Juristas Católicos de São Paulo, a advogada Angela Vidal Gandra Martins Silva afirmou que o Judiciário só deve alterar normas em caso de omissão do Legislativ­o.

Outro ponto foi o princípio da inviolabil­idade da vida desde a concepção. “Não pode ser mitigado por qualquer outro”, declarou Douglas Roberto de Almeida Baptista, da Convenção Geral das Assembleia­s de Deus. Já o bispo de Rio Grande (RS), d. Ricardo Hoepers sugeriu, em nome da Conferênci­a Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que o poder público busque alternativ­as de apoio e acolhiment­o às mulheres em vez de legalizar o aborto. Ele convidou a ministra Rosa Weber, relatora do processo, a visitar casas de acolhida criadas pela Igreja Católica para gestantes que desistiram de abortar.

Laicidade. Entre os expositore­s favoráveis à descrimina­lização estavam a diretora da organizaçã­o Católicas pelo Direito de Decidir, Maria José Rosado, e a pastora luterana Lusmarina Campos Garcia, do Instituto de Estudos da Religião. Ambas defenderam a autonomia da mulher e a separação entre Estado e Igreja. “A laicidade é fundamenta­l para a igualdade”, disse Lusmarina. E Maria José ressaltou que muitas católicas já praticam o aborto e as mais pobres são as que mais sofrem. “Não podemos continuar fechando os olhos para essa realidade.”

 ?? MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL ?? Segundo dia. Houve ainda a manifestaç­ão de entidades e de grupos religiosos, pela manhã
MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL Segundo dia. Houve ainda a manifestaç­ão de entidades e de grupos religiosos, pela manhã

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil