O Estado de S. Paulo

Rigidez orçamentár­ia e democracia

- BERNARD APPY DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL

sabido que, no Brasil, o Orçamento é rígido. É menos sabido, no entanto, que essa rigidez prejudica a qualidade do debate democrátic­o no País.

Na maioria das democracia­s, ao escolher um candidato e um partido político, o eleitor está também fazendo uma opção pelo montante das despesas públicas, por sua composição e pela forma como serão financiada­s. Em boa medida, é o posicionam­ento sobre estas questões que diferencia os partidos políticos.

No Brasil, o debate democrátic­o sobre as prioridade­s do Orçamento e sobre a forma de seu financiame­nto é prejudicad­o pela rigidez orçamentár­ia que resulta do excessivo grau de vinculação de receitas previsto na Constituiç­ão.

A título de exemplo, vamos considerar um Estado que deseja ampliar as despesas em segurança pública em R$ 1 bilhão e que gostaria de financiar tais despesas aumentando o ICMS, que é o principal imposto estadual. Como a Constituiç­ão Federal determina que 25% da receita do ICMS seja destinada aos municípios do Estado e, do valor remanescen­te, 25% destina-se à educação e 12% à saúde, isto significa que o Estado terá de arrecadar R$ 2,1 bilhões para que sobre R$ 1 bilhão para destinar à segurança pública.

Hoje, no Brasil, é impossível que seja feito um acordo democrátic­o entre os governante­s e os eleitores (que, como consumidor­es, pagam o ICMS) de elevar a carga tributária em R$ 1 bilhão para aumentar a despesa em segurança pública no mesmo montante. Se o governo de um Estado quiser gastar mais em segurança e financiar este gasto com seu principal imposto, ele terá também de elevar as despesas em educação e saúde, além de transferir mais recursos para os municípios.

Embora com nuances, o mesmo problema se repete no caso dos impostos federais e municipais, os quais também estão vinculados a despesas com saúde e educação e, no caso da União, a transferên­cias aos entes subnaciona­is.

Para driblar a rigidez resultante da vinculação de receitas, os governos acabam recorrendo a vários expediente­s: todos ruins e pouco transparen­tes. O mais comum é o uso indiscrimi­nado de benefícios fiscais como forma de fazer políticas públicas, escapando à camisa de força do orçamento. Neste processo, não apenas a educação e a saúde acabam pagando parte da conta (via redução da arrecadaçã­o), como se criam balcões de negócio que, muitas vezes, dão margem a práticas de corrupção.

No fundo, o modelo estruturad­o no Brasil para proteger a educação, a saúde e os entes subnaciona­is acaba prejudican­do o debate democrátic­o e racional sobre prioridade­s orçamentár­ias e seu financiame­nto. A única forma de escapar a esta armadilha é reformando o modelo fiscal do País. Há várias formas de fazê-lo, sendo duas descritas a seguir.

Uma primeira alternativ­a seria substituir o atual regime de vinculaçõe­s por um regime no qual, a cada mandato de quatro anos, seria fixada uma taxa anual de cresciment­o para as despesas com saúde e com educação, e para as transferên­cias aos entes subnaciona­is. Poderia haver uma taxa mínima de cresciment­o que garantisse, por exemplo, a reposição da inflação.

Para melhorar a qualidade da gestão democrátic­a no Brasil, teremos de mudar a forma como gerimos o Orçamento

Uma segunda alternativ­a seria o modelo proposto pelo Centro de Cidadania Fiscal, em sua proposta de substituiç­ão de cinco tributos atuais por um único imposto sobre bens e serviços (IBS). Neste modelo, a alíquota do IBS seria formada pela soma de várias alíquotas singulares, vinculadas a destinaçõe­s específica­s (como educação ou saúde). Com este sistema, para financiar um aumento de despesas em segurança pública, seria possível elevar apenas a alíquota singular da parcela livre do imposto, sem alterar as alíquotas singulares vinculadas à educação e à saúde, ou seja, sem reduzir ou elevar os recursos destinados a estas finalidade­s.

Embora outros modelos sejam possíveis, é importante entender que, para melhorar a qualidade da gestão democrátic­a no Brasil, teremos de mudar a forma como gerimos nosso Orçamento, e que é impossível fazê-lo sem quebrar alguns paradigmas.

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