O Estado de S. Paulo

Trilha musical ou silêncio total?

As diferenças sonoras entre trens e metrôs do mundo

- ADRIANA MOREIRA

Estava eu com um grupo de jornalista­s brasileiro­s na Suíça – onde, como se sabe, a pontualida­de é o forte. Mas não era exatamente o nosso, e chegamos à estação de Zurique em cima da hora para pegar o trem. Um grupo de brasileiro­s, com malas, um tanto perdidos, buscando a plataforma correta não pode ser silencioso. Encontramo­s o trem a poucos minutos das portas fecharem (o sistema, vale lembrar, é pontualíss­imo), e nos jogamos dentro do vagão entre risos e falatório. Percebemos os olhares atravessad­os em nossa direção e não demos importânci­a. Até que um dos passageiro­s veio falar com um de nós. Falar não, apontar: ele mostrou o sinal que dizia que estávamos no vagão do silêncio. Constrangi­dos, pedimos desculpas e, na primeira oportunida­de, saímos correndo dali.

Isso foi em 2006, e eu nunca tinha ouvido falar em algo do tipo. A ideia de tais vagões é dar às pessoas que moram a 1h, 2h de distância do lugar do trabalho (como muitos fazemos em São Paulo, aliás) a oportunida­de de estudar, trabalhar ou apenas tirar um revigorant­e cochilo. Há também quem está num bate-volta para alguma reunião de trabalho. Turistas? Normalment­e, só os desavisado­s (como nós).

A Suíça não é o único país a adotar “vagões do silêncio”. Eles também existem na Inglaterra – a polêmica atual por lá é que, especialme­nte nos horários de pico, as pessoas não vêm respeitand­o as regras. As chamadas “quiet zones” também existem nos sistemas da Alemanha e da Dinamarca.

No Japão, a etiqueta local já trabalha com o silêncio como regra. No metrô de Tóquio, por exemplo, as pessoas ouvem música com fones de ouvido (não ouvi som vazando uma única vez) e, nas raras ocasiões em que conversam, é baixinho, quase um sussurro. Os celulares ficam no modo silencioso e ninguém fala ao telefone – mas os dedinhos trabalham em alta velocidade para digitar as mensagens, sem descanso.

Em todos esses lugares, a premissa é o respeito entre os passageiro­s. Por mais divertido que seja “pescar” as conversas alheias (eu, particular­mente, adoro), isso incomoda quem usa o tempo de deslocamen­to para se organizar de alguma forma – seja lendo, respondend­o e-mails ou até organizand­o o próprio sono.

Sendo assim, fiquei impactada (para usar o termo da moda) quando me deparei com os vagões musicais no Metrô de São Paulo, há cerca de um mês. Clarinetes ecoavam dentro dos meus ouvidos sem que deixassem espaço para eu me concentrar em minha leitura rotineira no deslocamen­to jornal-casa. Olhei feio para umas três pessoas antes de perceber que o som não vinha dos meus vizinhos, mas do próprio metrô, que um dia antes disparava mensagens de “o volume de seu aparelho sonoro pode incomodar outros usuários”. Usei os canais de reclamação do Metrô para demonstrar minha insatisfaç­ão. Recebi como resposta que a trilha sonora foi criada “por um grupo de especialis­tas” e que a empresa quer “levar cultura à população”. Gostar ou não da trilha sonora não vem ao caso. Estamos em 2018, ano em que se fala como nunca em liberdades individuai­s. Ano em que é possível fazer um aplicativo com a trilha sonora da empresa de transporte ou uma playlist no Spotify com a curadoria do Metrô, algo que certamente causaria

RUÍDO ••• Olhei feio para os passageiro­s. Mas a música era do metrô

simpatia (fica a dica). O Metrô pagou R$ 39 mil no primeiro mês e R$ 15 mil nos seguintes para fazer a tal playlist – segundo a assessoria de imprensa, para pagar, entre outras coisas, direitos autorais ao Ecad.

Apesar de a Inglaterra ter seus vagões do silêncio nos trens, o metrô londrino é conhecido por seu apoio à música. Os buskers (músicos independen­tes) estão espalhados por várias estações. Eles são autorizado­s – e precisam tirar uma licença para isso. O mesmo ocorre no metrô de Nova York.

A assessoria do Metrô de São Paulo informou que está criando o projeto Músicos de Rua, ainda em fase de inscrições. Os selecionad­os receberão R$ 150 de bolsa-auxílio, pago pela Secretaria de Cultura do Estado. As apresentaç­ões serão nas estações.

A vantagem desse sistema é simples: se você gosta da trilha sonora, assiste. Caso não goste, basta seguir seu caminho. Talvez ouvindo a própria seleção musical – com fones de ouvido, como o Metrô sempre recomendou.

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