O Estado de S. Paulo

ROTEIRO 1

Caminho histórico da Lapa do Rezar

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A placa diz “mais de 500 degraus”. O guia Alexandre Costa de Jesus afirma ter contado 534. Já eu perdi as contas, distraída pela vegetação seca, mas mesmo assim capaz de bloquear o sol forte da manhã, e pelas histórias de antes de estas terras se tornarem área de proteção ambiental.

Era minha primeira trilha no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu. O Caminho da Lapa do Rezar é classifica­do como pesado, justamente pela quantidade de degraus a subir – porque o resto é tranquilo e quase tudo plano. Recomendo muito começar por aqui a sua exploração ao parque.

Dá para dizer que este é o trajeto mais histórico, Logo nos primeiros metros da trilha está um antigo engenho de produção de cachaça, rapadura e garapa, produtos muito presentes nos festejos culturais do norte de Minas Gerais. Uma das celebraçõe­s comuns nesta região era a novena de Nossa Senhora da Conceição, quando moradores do Fabião subiam à gruta em oração, principalm­ente as mulheres, carregando pedras na cabeça em sinal de fé. Por isso o nome Lapa do Rezar.

A trilha, com 2,4 km de extensão total, parte exatamente do Centro de Visitantes, onde você tem necessaria­mente de passar para assinar o livro de presença. Pode aproveitar para fazer perguntas e ver uma exposição de fotos e banners informativ­os.

“Vô nunca na vida que tomou remédio”, contou Alexandre. “Era tudo planta, raiz e fruto do mato que usava”, continuou, enquanto apontava a árvore do angico preto e o arbusto da espinheira-santa, ambos usados como remédio pela comunidade local. Alexandre tem 31 anos e cresceu no Vale do Peruaçu, onde sua família tinha roça de feijão, mandioca, legumes. “Vó comprava quase nada na venda”, lembrou.

Histórias assim eram contadas enquanto fazíamos paradas estratégic­as na subida dos mais de 500 degraus. Os guias são treinados para adaptar o ritmo das caminhadas a cada grupo – boa parte dos cerca de 40 guias credenciad­os para trabalhar no parque vem investindo em formação intensa nos últimos anos.

Atualmente, 17 deles estão fazendo um curso de espeleolog­ia, organizado pelo professor de geografia Ronaldo Lucrécio Sarmento, uma das personalid­ades mais emblemátic­as do Peruaçu. Ronaldo, que circula pelo vale desde 1989 e desenhou as trilhas turísticas do parque, é conhecido por aqui como Capitão Caverna.

É o Capitão Caverna que me explica um pouco da geologia da região, que já foi mar há 800 milhões de anos. A lâmina calcária – rocha que forma as cavernas ao ser escavada pelas águas – tem 400 metros de profundida­de. Ele tem um sonho: criar um museu histórico do Peruaçu. “A história dessa região está se perdendo.”

Por ser a primeira, a Rezar foi uma caverna impactante. Sua boca de formato oval com até 40 metros de altura impression­a ainda mais quando vista de dentro para fora, com a montanha lá adiante. À medida que se caminha pela passarela de madeira – é proibido pisar fora, para evitar danos ao sítio arqueológi­co –, a luz vai desaparece­ndo. Há o momento em que o guia pede para todos apagarem as lanternas para vivenciar a escuridão. No total, o passeio dura 3h30.

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Vegetação. Barriguda é árvore típica do Rio São Francisco

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