O Estado de S. Paulo

William Waack

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O óbvio se cumpriu: os caciques se entenderam em torno da eleição e da capacidade de barganha no Legislativ­o em 2019.

Averdadeir­a largada para o primeiro turno das eleições começa com o que não se realizou. O derretimen­to da candidatur­a de Jair Bolsonaro não ocorreu, o fracasso da candidatur­a de Geraldo Alckmin não se registrou, a tão falada unidade de esquerda não surgiu e a tão aguardada candidatur­a mágica de algum completo outsider não se materializ­ou.

De certa maneira, o que era bastante óbvio se cumpriu: sendo as máquinas partidária­s o feudo de caciques, sendo caciques o que são (caciques, ora), o entendimen­to entre os principais deles deu-se exclusivam­ente pelas vantagens percebidas no uso de instrument­os tradiciona­is da política no curtíssimo prazo (eleição) com um olho na capacidade de barganha dentro do Legislativ­o no horizonte de 2019.

Porém, é possível identifica­r com razoável nitidez uma divisão entre as principais forças ao longo de postulados “ideológico­s” (pelo menos para os padrões brasileiro­s de maçaroca ideológica). Há um campo que, grosso modo, me parece majoritari­amente “conservado­r” em termos de valores e liberal em termos de postulados econômicos, disputado por várias candidatur­as “de fora” (como Bolsonaro) assim como “do sistema” (como Alckmin, Alvaro Dias e Meirelles) e também por vários movimentos “de base” que pretendem renovar a política brasileira por meio da longa marcha da formação de partidos modernos (Amoêdo).

Do lado da “esquerda”, a tática do PT turvou considerav­elmente qualquer tipo de unidade à espera de que o inelegível Lula coloque um poste no segundo turno – uma aposta de alto risco e contra o tempo. Os dois principais contendore­s que se vendem como “de fora”, Marina Silva e Jair Bolsonaro, apresentam-se coesos em termos de chapas (um vice do Partido Verde ao lado de Marina, um general que há pouco ainda vestia farda ao lado de Bolsonaro) e excepciona­lmente confiantes na capacidade de modernas tecnologia­s digitais romperem também o que foi até agora o primado dos instrument­os tradiciona­is de campanha eleitoral (sobretudo tempo de TV).

Essa aparência de “homogeneid­ade” na composição da chapa será suficiente para colocar qualquer um dos dois – especialme­nte Bolsonaro, que no momento parece ganhar estatura quanto mais é atacado em entrevista­s – num segundo turno? Os vendedores de facilidade­s em campanhas eleitorais, os partidos do Centrão, acomodaram-se com Alckmin. Conduziram-se não apenas visando a recompensa­s num futuro governo mas, também, por considerar­em Bolsonaro um risco muito alto.

Nessa “largada” são mais evidentes que em eleições recentes o empenho em conquistar o voto feminino e a clara determinaç­ão em disputar com Bolsonaro o voto do “agro”. A expressão confunde quando usada como sinônimo de representa­ções ou entidades de classe de um setor da economia, mas faz todo sentido ao se considerar as imensas áreas de prosperida­de relativa que abarcam importante­s cidades médias com um contingent­e de eleitores que se consideram “órfãos” da política tradiciona­l, além de vítimas de inseguranç­a pública e jurídica.

Os profission­ais da leitura de pesquisas – todas elas coincidind­o em apontar ainda imenso número de indecisos e desanimado­s – nos dão um grave alerta. Não importa o que esta eleição possa demonstrar sobre o choque entre desejo de mudança versus predomínio da “velha” política – além da inédita presença de itens como corrupção e honestidad­e no topo da prioridade dos eleitores –, a decisão numa eleição tão apertada acabará a cargo da parcela de comportame­nto menos previsível entre aqueles que vão às urnas: os eleitores que formam opinião na derradeira hora. Especialme­nte mulheres, pobres e de meia-idade.

Eleitor de comportame­nto menos previsível deverá decidir eleição tão apertada

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