O Estado de S. Paulo

‘Golpistas’ úteis

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A única ideologia do PT é a que estiver mais à mão para satisfazer seu projeto de poder.

Anotícia de que o PT se aliou a vários partidos que apoiaram o impeachmen­t da presidente Dilma Rousseff, publicada pelo Estado, surpreende somente os incautos que ainda acreditam no discurso da pureza ideológica petista. Pois a única ideologia do PT é a que estiver mais à mão para satisfazer seu projeto de poder e de aparelhame­nto de setores fundamenta­is do Estado. Assim, o PT se apresenta hoje como partido de “esquerda” e como líder do “campo progressis­ta” unicamente porque lhe é convenient­e, e não por princípio ou convicção.

O assim chamado “socialismo” petista sobrevive apenas no palavrório de seus fanáticos militantes, pois na prova dos noves, quando exerceu o poder, o PT rapidament­e esqueceu seu “socialismo”, julgando ser mais interessan­te associarse aos compadres do capital para financiar sua permanênci­a no poder.

Flagrado com a boca na botija, e com seu demiurgo Lula da Silva na cadeia, o PT inventou o discurso da “perseguiçã­o política” e, em torno disso, retomou a verborreia esquerdist­a que tanto excita desavisado­s artistas e intelectua­is, mas que, na prática, é mera tentativa de dar substância ideológica e sentido histórico ao que não passa de oportunism­o barato.

Esse oportunism­o se manifesta explicitam­ente na formação das alianças do PT nas disputas estaduais. A reportagem mostrou que em seis Estados o partido da defenestra­da Dilma Rousseff será cabeça de chapa em candidatur­as com legendas que os petistas classifica­m de “golpistas”. Em outros nove, o PT apoiará candidatos cujos partidos também ajudaram a derrubar Dilma.

É claro que os petistas, diligentes na hora de apontar as contradiçõ­es dos adversário­s, já têm na ponta da língua argumentos para justificar seu constrange­dor contorcion­ismo eleitoral. Segundo a presidente do PT, Gleisi Hoffman, “não há (contradiçã­o) porque estamos deixando claro que eles têm de apoiar Lula” e “em todos esses casos (de alianças com os ‘golpistas’) tem apoio a Lula”. Ou seja, a necessidad­e de amparar seu encalacrad­o comandante obriga o PT a engolir seus alardeados princípios e associar-se a partidos e políticos que até outro dia demonizava furiosamen­te. É claro que isso tudo foi embalado pela conhecida retórica embusteira do PT – Gleisi informou que os partidos “golpistas” fizeram “uma autocrític­a, inclusive”, razão pela qual estão agora devidament­e higienizad­os e aptos a juntarse aos virtuosos petistas.

No Ceará, por exemplo, o PT abriu mão de disputar uma vaga ao Senado para não atrapalhar a campanha à reeleição de Eunício Oliveira (MDB), que votou pelo impeachmen­t de Dilma. E o presidente do Senado não decepciono­u: “Eu sou eleitor do Lula. Eleições livres são eleições com Lula”, discursou Eunício em evento no dia 7 passado em Fortaleza.

O PT integra também a coligação do governador de Alagoas e candidato à reeleição, Renan Filho (MDB), filho do senador Renan Calheiros (MDB), outro que votou pelo impeachmen­t de Dilma. Mas isso são águas passadas: o senador Renan conta com a popularida­de de Lula da Silva para reeleger o filho e, por isso, não se constrange em vir a público para declarar apoio desbragado à “candidatur­a” do ex-presidente e, ao mesmo tempo, para maldizer o governo de seu correligio­nário Michel Temer. Segundo Gleisi Hoffman, agora Renan é parte do time: “O Renan teve um reposicion­amento nessas questões que interessam ao campo progressis­ta e popular”.

O tal interesse do “campo progressis­ta e popular” foi definido de maneira bem mais singela pelo presidente do PT de Mato Grosso, deputado Valdir Barranco, ao explicar por que o partido está apoiando a candidatur­a ao governo do Estado do senador Wellington Fagundes (PR), que também votou pelo impeachmen­t de Dilma. Segundo Barranco, não foi possível fechar alianças com siglas de centro-esquerda, razão pela qual o PT se viu obrigado a pensar em “suas prioridade­s”: “A política está em permanente mudança. Neste momento, a melhor tática é essa. Sem o ‘chapão’, não teríamos quociente eleitoral para eleger deputados”. Simples assim.

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