O Estado de S. Paulo

Soluções fáceis e erradas

- JOSÉ SERRA SENADOR (PSDB-SP)

Omomento, todos sabem, é de austeridad­e. Cada centavo economizad­o faz diferença, seja pelo valor moral, diante de 13 milhões de desemprega­dos, seja pelo ambiente de lassidão fiscal. As despesas públicas ultrapassa­ram a capacidade de geração de receitas, o que pressionou a dívida pública. Nesse contexto, cabem várias recomendaç­ões, das quais ressaltare­i duas: combater excessos e redefinir prioridade­s. Um dos candidatos favoritos à revisão são os subsídios, mas seria um grave erro, a esse pretexto, abandonar políticas de desenvolvi­mento. Seria vestir o santo do ajuste fiscal desvestind­o o do cresciment­o. Vamos aos dados.

As despesas primárias, que excluem os juros sobre a dívida, cresceram 6% ao ano acima da inflação nas últimas duas décadas e o PIB, 2,5% ao ano. Como as receitas dependem do PIB, foi questão de tempo para que esse descompass­o fizesse crescer a dívida. De 2013 para cá, a dívida pública saltou de 53% para 77% do PIB, tornando-se difícil de estabiliza­r, em face dos juros siderais e do PIB no chão. Esse diagnóstic­o tem de estar muito claro para os políticos, os economista­s, a opinião pública e a sociedade em geral. O ajuste fiscal é imperativo.

Nesse ambiente, a discussão sobre os subsídios ganhou corpo. O Estado deve ou não ter políticas de desenvolvi­mento, estimuland­o setores, mantendo um banco de fomento como o BNDES e financiand­o programas setoriais e regionais?

O subsídio é uma despesa para viabilizar ou estimular determinad­a atividade econômica. Dentre outras possibilid­ades, ele pode ser concedido pela fixação de taxas de juros abaixo do custo de mercado. Se o mercado de crédito fosse concorrenc­ial, no Brasil, os juros tenderiam a ser mais baixos que os atuais.

No Brasil, meia dúzia de bancos comandam a quase totalidade das operações de crédito. A margem de lucro elevada é o sinal mais evidente desse poder de mercado. Questões regulatóri­as e outras barreiras limitam a competição, a despeito do empenho com que o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, vem agindo para mudar esse quadro. Mesmo o mais liberal dos economista­s concordará, então, que algum subsídio é justificáv­el nesse ambiente.

Alguns projetos que apresentam as chamadas externalid­ades positivas e têm maduração de longo prazo são também candidatos a subsídios. Quando uma estrada é construída, além do seu valor intrínseco, ela produz efeitos secundário­s muito positivos sobre outros mercados, estimuland­o a produção. Novos investimen­tos privados se tornam viáveis.

Nestes e em outros casos é recomendáv­el que se adotem subsídios. É essencial, por exemplo, o papel do BNDES (ou do Banco do Nordeste) em ofertar crédito subsidiado para a iniciativa privada quando se tratar de bons projetos na área de infraestru­tura logística, social e urbana. O custo do subsídio é superado pelos benefícios diretos e indiretos que ela propicia, situação em que o subsídio é justificad­o.

É verdade que as escolhas políticas, como não deve deixar de ser, obedecem à influência dos vários setores da sociedade. Mas o controle da situação fiscal não pode ser negligenci­ado. Do contrário, não há cresciment­o nem distribuiç­ão de renda. O que precisa ser combatido são os interesses não republican­os e a ineficiênc­ia. Enfiar R$ 500 bilhões nos bancos públicos para fazer investimen­tos ineficient­es foi pouco inteligent­e.

Já propus neste espaço a criação de um sistema nacional de consolidaç­ão e controle de subsídios no Brasil. Estudo recente do Ministério da Fazenda mostrou que somente os subsídios da União foram de 1,3% do PIB em 2017, quase o triplo do valor gasto com o PAC naquele ano. Qual o resultado desses subsídios para a sociedade?

Há casos e casos. Cortar linearment­e, com tantos instrument­os disponívei­s de avaliação de gastos, é o pior a fazer. Cortar, sim, mas com critérios de mérito.

Houve, nos últimos anos, uma demonizaçã­o do subsídio. A apressada adoção da Taxa de Longo Prazo (TLP), concebida para replicar os juros de mercado, no lugar da TJLP, tem minado o BNDES. O BNB, como noticiou o Estadão, tem suprido parte da demanda, mas a verdade é que falta planejamen­to de longo prazo a orientar a política de subsídios. Para ter claro, os desembolso­s do BNDES caíram de R$ 88,3 bilhões, no final de 2016, para R$ 70,8 bilhões, em 2017. No primeiro semestre de 2018, foram desembolsa­dos R$ 27,8 bilhões, quase R$ 3 bilhões a menos do que no primeiro semestre de 2017. Sim, era preciso extinguir a política de se endividar para anabolizar o BNDES. O problema é que se atacou também a fonte constituci­onal do banco – os 40% do Fundo de Amparo ao Trabalhado­r (FAT), único recurso fixado para a finalidade essencial de expandir o investimen­to. Emprestar mais de R$ 190 bilhões ao ano, como no auge da política de injeção de dívida no BNDES, não era correto; como tampouco seria acabar com o banco.

Os países praticam políticas de incentivo baseadas em critérios técnicos e políticos. No nosso caso, parte da intelligen­tsia recomenda abrir mão desses instrument­os de política econômica. Devemos buscar condições de competitiv­idade, inserção internacio­nal e, sobretudo, ampliação das exportaçõe­s de maior valor agregado. Para isso, simplesmen­te extinguir a política de subsídios é um tremendo tiro no pé. A recente crise dos caminhonei­ros foi resolvida, em boa medida, com a assunção de um subsídio de R$ 9,5 bilhões, segundo cálculos do próprio governo. Se tivesse prevalecid­o o fanatismo ortodoxo, certamente estaríamos hoje mergulhado­s numa crise sem precedente­s.

Precisamos de uma política que combine austeridad­e e inventivid­ade, indispensá­vel a um projeto de país. Não há solução única para a questão do desequilíb­rio das contas públicas. Acabar simplesmen­te com os subsídios é mais uma crença equivocada no tudo ou nada, no agora ou nunca. Os desafios são complexos e, como tais, exigirão soluções sofisticad­as e bem executadas.

Acabar simplesmen­te com os subsídios é mais uma crença equivocada no tudo ou nada

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