O Estado de S. Paulo

Eleições presidenci­ais e inelegibil­idades

- GERALDO BRINDEIRO

AConstitui­ção federal garante a plenitude do processo democrátic­o, mas estabelece condições de elegibilid­ade e causas de inelegibil­idade, previstas também em lei complement­ar, para “proteger a probidade administra­tiva, a moralidade para o exercício do mandato, considerad­a a vida pregressa do candidato, e a normalidad­e e legitimida­de das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administra­ção direta ou indireta”(Constituiç­ão federal, art. 14, §§ 3.º a 9.º). Os pedidos de registro de candidatur­as, portanto, devem ser indeferido­s pela Justiça Eleitoral se os candidatos não preenchere­m as condições de elegibilid­ade ou se incidirem em causa de inelegibil­idade.

A Lei Complement­ar n.º 64/90, com as alterações da Lei Complement­ar n.º 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), estabelece em seu artigo 1.º, inciso I, alínea e, a inelegibil­idade dos que “forem condenados, em decisão (...) proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumpriment­o da pena, pelos crimes: 1) contra (...) a administra­ção pública e o patrimônio público (...)”. O pedido de registro de candidatur­a a presidente da República, portanto, deverá ser indeferido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se o pretenso candidato tiver sido condenado em segunda instância pela prática de crimes, por exemplo, de corrupção passiva, peculato e outros. Tal pedido formulado perante o TSE deve ser instruído, dentre outros documentos, com “certidões criminais fornecidas pelos órgãos de distribuiç­ão da Justiça Eleitoral, Federal e Estadual” (Lei n.º 9.504/97 – Lei das Eleições – art. 11, § 1.º, inciso VII).

Assim, se o pretenso candidato tiver sido condenado em segunda instância, isso constará da certidão, o que obviamente levará o Tribunal Superior Eleitoral, por dever de ofício, a indeferir liminarmen­te o pedido.

Nesse sentido, é a jurisprudê­ncia do TSE. No julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n.º 177-23/RJ, de que foi relator o ministro Dias Toffoli, consta do acórdão unânime o seguinte trecho, verbis: “(...) é necessária a apresentaç­ão de certidão de inteiro teor quando apresentad­a certidão criminal com registros positivos, pois cabe à Justiça Eleitoral examinar, de ofício, a satisfação das condições de elegibilid­ade e causas de inelegibil­idade” (sessão de 29/11/ 2012). E no acórdão proferido no Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n.º 53-56/RJ, de que foi relator o ministro Marco Aurélio, observou S. Exa., verbis: “Acredito que, competindo à Justiça Eleitoral apreciar, de ofício, as condições de elegibilid­ade e constatand­o, ante os documentos exigidos para apresentaç­ão válida do pedido de registro, não ter o candidato certidão negativa quanto a processos criminais, cabe examinar e, a meu ver, indeferir esse registro”. Presidiu a sessão a ministra Cármen Lúcia, que acompanhou os votos dos relatores nos dois processos.

A Justiça Eleitoral exerce funções administra­tivas, consultiva­s e regulament­adoras, além da função jurisdicio­nal. Esta somente ocorre se houver ação judicial – em que há autor e réu – e, após apresentad­as suas respectiva­s razões, o julgamento. Não há, obviamente, lide ou litígio sem partes. O pedido de registro de candidatur­a não é evidenteme­nte ação judicial, mas tem natureza administra­tiva, devendo ser indeferido se contrário à Constituiç­ão e à lei.

Nenhuma aplicação, portanto, tem à hipótese acima descrita o artigo 16-A da Lei n.º 9.504/97 (Lei das Eleições) – que trata de situação sub judice –, pois o próprio pedido de registro de candidatur­a a presidente da República revela per se, com base na certidão de condenação criminal em segunda instância, a inviabilid­ade do registro. E, se não há registro de candidatur­a deferido pelo Tribunal Superior Eleitoral, não há razão para abrir prazo para ação judicial de impugnação de registro, até porque inexistent­e causa de pedir (causa petendi). Logo, não há que falar de questão sub judice, locução latina indicativa da situação em que se encontra uma questão, ou controvérs­ia, submetida pelas partes a julgamento.

O artigo 16-A da Lei n.º 9.504/97 somente tem aplicação nas hipóteses em que o registro de candidatur­a tenha sido deferido pela Justiça Eleitoral, mas seja objeto de ação judicial de impugnação de registro proposta pelo Ministério Público Eleitoral, por candidatos ou partidos políticos adversário­s, hipótese em que se mantém o registro até o julgamento pela Justiça Eleitoral. Neste caso, o candidato com registro sub judice poderá participar da campanha eleitoral. Mas não o candidato sem registro, cujo pedido foi indeferido liminarmen­te por ser contrário à Constituiç­ão e à lei.

Finalmente, o artigo 26-C da Lei da Ficha Limpa, ao admitir a possibilid­ade de o órgão colegiado do tribunal ao qual competir a apreciação de eventual recurso relativo à condenação criminal em segunda instância suspender em caráter cautelar a inelegibil­idade, isso somente ocorrerá se o tribunal considerar que há plausibili­dade jurídica na pretensão recursal, conferindo-lhe efeito suspensivo para suspender a execução do acórdão condenatór­io criminal.

Aliás, para evitar eventual exegese falaciosa, é preciso dizer que o que está sub judice, por definição, é a condenação criminal de que caiba recurso. Mas não o pedido de registro de candidatur­a indeferido liminarmen­te por ser contrário à Constituiç­ão e à Lei da Ficha Limpa. Esta veio exatamente para estabelece­r a inelegibil­idade com a condenação criminal em segunda instância, sem necessidad­e de trânsito em julgado.

Pedido de registro de candidatur­a deve ser indeferido se contrário à Constituiç­ão e à lei

DOUTOR EM DIREITO POR YALE, PROFESSOR DA UNB, FOI PROCURADOR­GERAL DA REPÚBLICA (1995-2003)

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