O Estado de S. Paulo

Em MS, MDB evita usar ‘tática’ de Lula

Com prisão de Puccinelli, partido escala senadora para enfrentar juiz aposentado

- José Maria Tomazela ENVIADO ESPECIAL / CAMPO GRANDE

A questão jurídica que envolve o registro da candidatur­a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado e preso na Lava Jato, quase se repetiu no Mato Grosso do Sul, onde o MDB assistiu à prisão do seu pré-candidato ao governo local, o ex-governador André Puccinelli, às vésperas da convenção realizada no último sábado. O partido, porém, seguiu um caminho diferente do PT. Sem conseguir soltar o ex-governador, decidiu escalar a senadora Simone Tebet para encabeçar sua chapa ao governo do Estado. Sem experiênci­a numa eleição desse porte, ela terá pela frente o juiz aposentado Odilon de Oliveira (PDT), que ganhou fama ao combater o narcotráfi­co e acabou jurado de morte pelos traficante­s. Odilon lidera as pesquisas de intenção de voto, seguido até então por Puccinelli.

“Ele tem votos cativos, que não serão transferid­os para a Simone, mas o ideal seria que o Estado não passasse por esse constrangi­mento da prisão de um governador sob acusação de corrupção. Há um clamor popular pelo combate à corrupção e esse será um dos focos da minha campanha”, afirmou o juiz, que vê na prisão de Puccinelli um “constrangi­mento” para parte do eleitorado do MDB.

Puccinelli foi preso no último dia 20, na quinta fase da Operação Lama Asfáltica, da Polícia Federal. Ele já havia sido levado à prisão com outros agentes públicos em fase anterior da mesma operação, em 2017, mas acabou libertado. A investigaç­ão aponta desvios de recursos públicos que chegam a R$ 235 milhões por meio de fraudes em licitações, contratos e serviços prestados à administra­ção estadual anterior. Na fase atual, a PF apura o uso do Instituto Ícone, do filho de Puccinelli, para o recebiment­o de propinas, ocultação de bens e lavagem de dinheiro. Puccinelli Júnior foi preso junto com o pai. Ambos negam as acusações.

Embora sem a projeção nacional de Lula, o político sul-matogrosse­nse também é campeão de votos – se elegeu duas vezes governador no primeiro turno, em 2006 e 2010, e foi prefeito de Campo Grande em dois mandatos. Ele também caiu nas malhas da Justiça quando já estava fora do poder, mas, ao contrário de Lula, condenado em segunda instância no caso do triplex do Guarujá, ele ainda não sofreu condenação e continua elegível.

Pouco antes da convenção, peças publicitár­ias da campanha do MDB destacavam o perfil “tocador de obras” de Puccinelli e enfatizava­m a falta de experiênci­a administra­tiva do juiz, que nunca exerceu mandato. Questionad­o sobre isso, Odilon disse que pretende fazer uma gestão diferente no Estado. “Como juiz, também adquiri muito conhecimen­to da administra­ção pública. Se for eleito, vou aplicar essa vivência, pois conheço bem o Estado, mas de maneira alguma vou admitir qualquer tipo de desvio”, disse ele, referindo-se ao antigo adversário.

‘Vaquinha’. Enquanto Simone Tebet vai concorrer em aliança com seis outros partidos, Odilon ainda encontra dificuldad­es para fechar apoios. Sem os recursos dos concorrent­es, ele decidiu também criar uma vaquinha virtual para bancar a campanha. “Estou em desvantage­m porque, enquanto o governador (Reinaldo Azambuja, do PSDB, candidato à reeleição) e o ex-governador já têm estrutura, quando não o peso da máquina, eu pago as viagens com o dinheiro de minha aposentado­ria.”

O juiz disse que, por economia, viaja sem caravana, apenas

com a sua segurança pessoal e dois assessores. “Na campanha, faremos uma ou duas viagens por semana a um custo de R$ 500 reais visitando quatro ou cinco cidades. No mês, dá uma despesa de R$ 7 mil. Terei um pouco de recurso do partido, mas coloco fé na vaquinha eletrônica”, disse.

A prisão de Puccinelli pode ter influência no resultado da eleição, segundo o analista político Eron Brum. “O MDB vai perder votos que podem migrar tanto para a reeleição de Reinaldo Azambuja, como para o juiz Odilon, que, embora menos conhecido do eleitor, se beneficia do fato de não ser político nos moldes tradiciona­is.” Ele lembra que Azambuja também é investigad­o pela Justiça após ser citado em delação da JBS. Azambuja afirma que ainda não teve a oportunida­de de se defender.

Puccinelli e o filho tiveram negado na terça-feira passada pedido de habeas corpus apresentad­o ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Eles ainda aguardam a tramitação de um recurso no Supremo Tribunal Federal, cujo relator é o ministro Alexandre de Moraes. Para acompanhar esse recurso, foi contratado o advogado Cezar Bitencourt, que atuou na defesa do deputado federal Rodrigo Rocha Loures (MDB-RS), o parlamenta­r filmado com uma mala de R$ 500 mil em dinheiro. Segundo Bitencourt, a nova prisão se baseou em fatos antigos, já considerad­os na prisão anterior de Puccinelli, em 2017, que a Justiça entendeu como desnecessá­ria.

‘Ilações’. A defesa alega que, apesar de a representa­ção do MPF ser de 18 de maio, “a prisão só foi decretada bem próximo da convenção partidária, o que (pelo ineditismo da situação) acaba permitindo as mais diversas ilações, sendo ato no mínimo estranho, a exigir o controle judicial”. Preso no Centro de Triagem Anísio Lima, em Campo Grande, Puccinelli foi visitado no dia 31 pelo ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun. Na saída, Marun disse que a prisão era arbitrária e estava relacionad­a à pré-candidatur­a de Puccinelli.

Defensores de Puccinelli afirmam que o juiz Odilon também teria sido atingido por denúncias, como a de favorecer um narcotrafi­cante. Em julho, o jornal paraguaio ABC Color publicou suposta denúncia do ex-vereador de Ponta Porã César Mattoso, do MDB, de que Odilon teria recebido propina do narcotrafi­cante Carlos Rubén Sánchez Garcete, o “Chicharõ”, para negar sua extradição para o Brasil. Após a publicação, Mattoso negou ter dado a entrevista ao jornal e disse que desconheci­a o fato denunciado.

 ?? SAUL SCHRAMM/CAMPO GRANDE NEWS-12/1/2018 ?? Prisão. Fachada do Centro de Triagem Anísio Lima, em Campo Grande, onde o ex-governador André Puccinelli e seu filho estão presos desde o dia 20
SAUL SCHRAMM/CAMPO GRANDE NEWS-12/1/2018 Prisão. Fachada do Centro de Triagem Anísio Lima, em Campo Grande, onde o ex-governador André Puccinelli e seu filho estão presos desde o dia 20

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