O Estado de S. Paulo

Mais democracia, não menos

- E-MAIL: ZEINA.LATIF@TERRA.COM.BR ZEINA LATIF ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMEN­TOS

Valores democrátic­os têm sido menos valorizado­s pela sociedade, inclusive pelos mais jovens. Talvez porque não vivenciara­m as consequênc­ias da ditadura e do desrespeit­o às liberdades individuai­s. A inclinação antidemocr­ática anda lado a lado com a intolerânc­ia.

A crise econômica, no Brasil e no mundo, pode ser a explicação para esse retrocesso. Na bonança da década passada, muito foi prometido e pouco foi entregue. No Brasil, os equívocos da política econômica geraram uma crise sem precedente­s. O desemprego elevado, sendo de 28% entre os jovens, alimenta o sentimento de desolação e de falta de perspectiv­as. Tudo isso aumenta o anseio de mudança e a busca de “pulso forte” para “arrumar a bagunça”. Parecem confundir autoridade com autoritari­smo.

Esse sentimento faz eco na política. Jair Bolsonaro exulta a ditadura militar, e é o melhor colocado nas pesquisas de voto que excluem Lula. Importante­s lideranças do PT flertam com a ditadura na Venezuela, provavelme­nte para agradar o eleitorado de extrema esquerda. Muitos eleitores não veem gravidade nisso. Julgam que são palavras ao vento que não deveriam ser levadas a sério.

Não convém brincar com fogo. A democracia no Brasil ainda está em construção. Precisamos de mais democracia, e não de menos. Igualdade de oportunida­des, concorrênc­ia na política e representa­tividade no Congresso talvez sejam os pontos onde estamos mais atrasados.

Nossas políticas públicas – como na educação – são concentrad­oras de renda e perpetuam a pobreza; a política se renova muito lentamente; o Congresso está dominado por bancadas poderosas que não representa­m a sociedade; e grupos organizado­s bloqueiam reformas.

Há consequênc­ias perversas do déficit de democracia sobre a economia. Um exemplo é nossa triste experiênci­a com a reforma da Previdênci­a. Enquanto a maioria dos países já adota idade mínima para aposentar há mais de duas décadas, o Brasil segue atrasado. Corporaçõe­s do setor público bloquearam essa agenda nos últimos anos, algo ainda mais grave no contexto de um governo com déficit de credibilid­ade e de apoio popular. Como consequênc­ia, transfere-se renda de pobres (que se aposentam por idade) para ricos, faltam recursos para políticas públicas essenciais e alimenta-se o risco inflacioná­rio.

Vale a pena fortalecer a democracia. Os dados mostram que países mais ricos são os mais democrátic­os. Há ainda evidências de que países que passam por democratiz­ação aumentam sua renda per capita. Daron Acemoglu e co-autores (2005) estimam um incremento de 20% no longo prazo. A razão seria o incentivo a reformas, o aumento da escolarida­de, a melhora da provisão de serviços públicos e a redução de turbulênci­a social.

Defender valores democrátic­os não é apenas moralmente desejável, mas também recomendáv­el para o melhor funcioname­nto da economia.

É verdade que a democracia dá trabalho. Reformas dependem da construção de consensos e de muita negociação, bem como do enfrentame­nto de grupos organizado­s. Como consequênc­ia, as reformas tomam tempo e, muitas vezes, não acontecem. Apesar disso, ainda é a melhor forma de garantir o avanço institucio­nal sólido dos países e, assim, o cresciment­o sustentado.

No Brasil, o regime militar começou com o apoio da sociedade, e reformas importante­s foram implementa­das por Castelo Branco. Mas não houve continuida­de da agenda de reformas e houve retrocesso­s em seguida, com muitas distorções causadas no sistema econômico até o fim do regime militar. O resultado foi a “década perdida” dos anos 1980 e a herança inflacioná­ria. Iniciamos o período democrátic­o com a economia em frangalhos.

Avanços ocorreram no período democrátic­o, ainda que lentamente. O Estado brasileiro continua, porém, autoritári­o na economia, promovendo mudanças de regras, frequentem­ente, sem critérios e com pouco diálogo, o que acarreta em baixo cresciment­o. E o Estado continua injusto socialment­e. Não há espaço para retrocesso­s.

Defender valores democrátic­os não é moralmente desejável, mas também recomendáv­el

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