O Estado de S. Paulo

Hora de atacar os problemas gêmeos

- RAUL VELLOSO CONSULTOR ECONÔMICO

No Brasil parece não haver dúvida de que o problema fiscal é o problema número 1 a ser enfrentado pelos governos que começam em 2019. Só que o consenso para aí. O grande, mas pouco percebido, drama das contas governamen­tais é o gigantesco déficit das previdênci­as públicas, e o fato de que ele tende a se agravar por muitos anos.

É também pouco percebido que sua irmã gêmea é a derrocada dos investimen­tos em infraestru­tura. Como o primeiro não é enfrentado do jeito certo, o item mais vulnerável a cortes paga a conta. E convenhamo­s: um país sem infraestru­tura minimament­e adequada jamais irá para a frente.

Discutirei esse assunto no Fórum Nacional (veja em www.inae.org.br), cuja edição de 23 de agosto trará candidatos ou seus representa­ntes para, entre outras coisas, ouvir a proposta básica que Leonardo Rolim e eu vimos fazendo há algum tempo de matar dois coelhos com uma só cajadada. Equaciona-se atuarialme­nte a previdênci­a pública e cria-se um elo firme para a retomada dos investimen­tos públicos. Vejam lá.

Obviamente, o déficit da previdênci­a pública não é alto por acaso. O sonho dourado da maioria dos brasileiro­s é ter uma boa aposentado­ria sem precisar passar pelo sacrifício de poupar os recursos requeridos ao longo de muitos anos para chegar a isso. Ou seja, para essa maioria, o melhor é deixar o Estado cuidar dessa tarefa – pagar a conta. Resumindo: chega-se a um emprego público por concurso, algo que soa como muito justo, e depois basta se comportar minimament­e bem, que a recompensa viria 35 anos depois. Para quem entrasse com 18 anos, aos 53 anos de idade.

A Constituiç­ão de 1988 é, a meu ver, a grande responsáve­l pela piora que temos hoje. Primeiro, porque, grosso modo, a nova Carta permitiu que todos os trabalhado­res públicos que à época eram regidos pela CLT, em todas as esferas de governo, virassem funcionári­os públicos, com todos os direitos e vantagens dessa categoria, especialme­nte estabilida­de e aposentado­ria integral pelo último salário. Só na União teriam sido transferid­os dessa forma cerca de 300 mil funcionári­os, à conta da “viúva”. Isso levou a aumentos de salários, novas carreiras mais bem remunerada­s e o que não. Até hoje os Estados penam para obter da União uma “compensaçã­o previdenci­ária”, prevista em lei, para enfrentar os gastos adicionais na sua esfera, pelos servidores absorvidos via esse virtual trem da alegria.

E o resultado numérico disso? Pasmem. Conforme salientei no Canal Livre de 29/7 na Band, em 2017 o déficit total da previdênci­a estadual totalizou R$ 86 bilhões. Na União, por coincidênc­ia, o mesmo número. Ou seja, é a soma de R$ 172 bilhões que os governos mandam para a “viúva” pagar. Enquanto isso, o déficit do INSS, alvo certo de todas as reformas abrangente­s de regras que têm sido tentadas, e onde se pagam aposentado­rias apenas no intervalo de um salário mínimo a R$ 5.645,80, devidament­e calculado, teria sido de R$ 74 bilhões.

Trabalhei boa parte de minha vida profission­al no setor público. Fui funcionári­o do Banco do Brasil, do que muito me orgulho, principalm­ente pelo seu sistema de aposentado­ria. Na Previ, seu fundo de pensão, além de existir competênci­a e seriedade na gestão, as aposentado­rias são bem mais proporcion­ais aos valores com que as pessoas contribuem comparativ­amente à administra­ção pública.

Sou testemunha de que os funcionári­os públicos em geral são muito preparados para o que fazem, têm noção do dever como poucos, e é graças a uma parte deles que estamos combatendo eficazment­e a corrupção endêmica que assolou o País, dando exemplo para o mundo. Por isso mesmo, acredito que, se os dirigentes dos governos mostrarem direitinho aos representa­ntes dos servidores que seu sistema previdenci­ário se tornou inviável, devendo piorar ainda mais se nada for feito nos próximos 25/30 anos, uma solução tipo Previ, como venho defendendo, terá seu apoio para nos levar ao equilíbrio fiscal e à retomada dos investimen­tos públicos.

Convenhamo­s: um país sem infraestru­tura minimament­e adequada jamais irá para a frente

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