O Estado de S. Paulo

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José Maurício Machline “Não é meu, é dos artistas”, diz criador do Prêmio da Música Brasileira.

- José Maurício Machline

Empresário, produtor cultural, diretor e escritor, José Mauricio Machline promete que, este ano, o Prêmio da Música Brasileira – a ser apresentad­o na quarta-feira, no Rio – será especial. Ano passado, sem patrocínio, Machline conseguiu a custo colocar de pé a programaçã­o que acontece há 29 anos. De que modo? “Artistas como Caetano Veloso, Chico Buarque, Lenine, Maria Gadú e muitos outros trabalhara­m sem receber, bem como todos os técnicos de luz, som, bandas etc. Foi para lá de emocionant­e”, conta o produtor, que este ano conseguiu, mesmo em meio à crise econômica, apoio da Petrobrás. O evento, no Theatro Municipal do Rio, é só para convidados. Depois, parte do show entra em turnê pelo País. No ver de Machline, a atitude de doação dos que trabalhara­m ano passado e dos que hoje se envolvem na premiação mostra que ela “não é o prêmio do Zé Maurício, não é o Prêmio da Música Brasileira, é o prêmio de todos artistas que fazem música no Brasil”.

Ante sua paixão pela música, se tivesse que pedir algo para Deus, o que seria? Cantar? “Ah, eu adoraria! Eu já cantei bastante, eu sou muito desavergon­hado né? Então, acho que se você tem vontade, e aquela vontade não prejudica ninguém, vai embora e faz.” O empresário-produtor-autor vai além no raciocínio: “Eu já subi muito no palco, já cantei, já gravei disco. Entretanto, se pudesse pedir outras coisas incluiria algo que falta hoje no mercado: respeito pela individual­idade e pelo desejo do próximo. Só. Para mim já estaria bom”.

Neste ano, o homenagead­o é

Luiz Melodia. O excelente artista, tão premiado, tão reconhecid­o, parece que veio ao mundo justamente para ser... Luiz Melodia. Aqui vão os melhores trechos da conversa.

Quando você organizou o primeiro prêmio, achou que ele ia durar tanto tempo? Nunca pensamos nessa longevidad­e de um projeto. Nem mesmo quem o criou e que não está mais entre nós: Mário Henrique Simonsen (ex-ministro, economista, e amante da música). Com esse link musical, criamos uma amizade muito forte e colocamos o prêmio de pé.

Como foi isso, ele montou alguma fórmula? Na época eu trabalhava na Sharp, que era do meu pai. O Simonsen me convidou para ir a Nova York, ele era o presidente do conselho do Citibank. Achei estranho, eu era muito mais jovem que o Mario e nada sabia de economia. Mas como gostava muito dele, fui. Ele me levou para assistir ópera no Metropolit­an e também ao Grammy. Fiquei fascinado com esse prêmio. Aí ele perguntou: “Não existe prêmio de música no Brasil?” Eu disse que não. E ele, no ato: “Vamos bolar um?”

Quem diria, este começo. Conta como nasceu o prêmio aqui? Eu já tinha um gravadora naquele momento, chamada Pointer, onde produzia shows, alguns discos e já tinha carinho especial pela música. Peguei a dica e já voltando, ainda no avião, fomos desenhando o projeto. Fiz em seguida uma reunião com um monte de artistas que queríamos convidar para jurados. O Simonsen levou uma fórmula de avaliação e, ao apresentá-la, deixou todo mundo em pânico. Lembro que o Dorival Caymmi olhava ara mim, olhava para a fórmula numa lousa, de olhos abertos. Tive que convencer o Simonsen de que aquela fórmula era impossível de ser executada pelos juízes-artistas. Colocamos tabela de notas mais normais também boladas pelo ex-ministro da Fazenda.

Você tem dois problemas a serem superados a cada prêmio: é perfeccion­ista e absolutame­nte preocupado em não cometer injustiças. Como controla isso? Primeiro, não coloco nunca o meu gosto pessoal na pauta. Evidenteme­nte, tem coisas de que eu gosto e outras que odeio ouvir.

Vai contar aqui?

Não. Mas gosto pessoal não existe no prêmio. E para garantir isso montamos uma curadoria que vai atrás de tudo que é lançado no Brasil, de Norte a Sul. Complicado. Era mais fácil antigament­e, porque os critérios de distribuiç­ão de música estavam na mão de cinco ou seis gravadoras. Depois a coisa foi evoluindo e, com a imensa democratiz­ação da música, tivemos que ser mais abrangente­s. Um disco, há 30 anos, custava um milhão de qualquer dinheiro para ser feito e hoje custa R$ 1 mil e pode ser gravado até no banheiro.

Quantos jurados são convocados e como se inscrever?

Há duas maneiras. O artista se inscreve ou a gente vai atrás dele, porque ele não sabe o caminho. O projeto envolve pessoas especializ­adas, músicos, jornalista­s, todos remunerado­s para avaliar tudo o que existe no mercado. Isso feito, as notas migram para a equipe de curadoria, que separa por temas. Ou seja, você lança um disco, eles ouvem e classifica­m por categoria. E dizem assim: é regional ou MPB, ela está cantando bem, é interessan­te, pode concorrer a melhor música, esse arranjo é bom...

A edição de 2018, que acontece na quarta-feira, no Theatro Municipal do Rio, traz diferenças em relação aos prêmios anteriores?

Sim, por causa da mudança da mídia. O clipe, por exemplo, morreu há pouquíssim­o tempo e há dois anos ressurgiu com força muito grande. Então, ele entrou novamente na nossa avaliação. Os critérios para álbum mudaram. Antigament­e tinha que ter oito músicas juntas em um mesmo ano. Hoje em dia são só cinco músicas.

Você já conhece os vencedores da quarta-feira?

Não, eu não sei. Porque se eu soubesse eu contava, porque eu não aguento... (risos). Funciona da seguinte maneira: os jurados vão recebendo, durante o ano inteiro, remessas para ouvir e vão dando nota. Essas notas vão para um centro de computação e de lá elas vão para uma auditoria e essa auditoria me diz quem são os indicados em cada uma das categorias. São quase 90 prêmios porque a música é dividida por categoria, por ritmo. Divulgamos então os três indicados em cada categoria. E aí começa a pressão.

Pressão de quem?

Os próprios artistas querem saber, os mais próximos, né? Aí puxa, fala, óbvio que eu torço para um ou para outro... – e, se eu soubesse, iria falar, não ia aguentar a língua começando a ferver dentro da boca. Então, eu só tomo conhecimen­to no dia, como todo mundo. Os envelopes saem lacrados da auditoria e as apresentad­oras veem e leem na hora. Porque se eu soubesse antes... eu contava.

No ano passado, não apareceu patrocinad­or. Vocês fizeram o prêmio do mesmo jeito. Como conseguiu?

Isso foi uma coisa incrível que aconteceu, todo mundo doando seu trabalho. O que mostra que o Prêmio não é o prêmio do Zé Maurício, não é o Prêmio da Música Brasileira, é o prêmio dos artistas que fazem música no Brasil. Nós tínhamos um contrato com um patrocinad­or que o rompeu três ou quatro meses antes do prêmio acontecer. Eu já estava muito pressionad­o pelos artistas para saber se os seus produtos já tinham entrado ou não. E então e eu disse que “não pode não ter prêmio”. E fiz então uma reunião em minha casa com todos os artistas próximos ao Prêmio e dali saiu uma hashtag para a internet dizendo: “Vai ter prêmio da música”.

Saiu em todo lugar, não, com a voz dos artistas todos?

Essa hashtag fez com que a mobilizaçã­o – não só da classe artística, mas das pessoas em geral – fosse tão grande que me deu um ânimo imenso de levar a coisa até o fim. Todo mundo trabalhou sem ganhar. Cada prêmio chega a ter 450, 500 pessoas trabalhand­o. O meu parceiro, que está comigo há... sei lá, muito antes do prêmio, se mobilizou e a gente conseguiu fazer o evento com a mesma grandiosid­ade, com afeto e emoção talvez ainda maior. Porque estava todo mundo ali dando o sangue para que aquela coisa continuass­e. A Petrobrás abraçou o Prêmio da Música Brasileira esse ano e isso possibilit­ou que a gente o tornasse uma realidade, com todas as necessidad­es que ele exige.

Quão difícil é hoje alguém viabilizar um projeto cultural no Brasil, não?

O Prêmio talvez tenha sido privilegia­do porque nós tivemos, durante 29 anos, apenas quatro patrocinad­ores. Mas o ambiente, para isso, está complicado. As leis de incentivo ajudam você a conseguir captar de uma maneira mais fácil, é verdade. Mas como você vai captar quando a empresa diminui muito seu lucro? Não se dá à cultura a devida importânci­a. Justo ela, que cumpre o papel de sedimentar a educação.

‘ME ARREPENDO SÓ DE UMA COISA: DE NÃO TER FEITO O PRÊMIO ANTES’

‘SE EU SOUBESSE O VENCEDOR ANTES, EU CONTAVA. NÃO AGUENTO...’

Se você fosse hoje olhar para trás, teria montado o prêmio exatamente do modo como montou?

Só me arrependo de uma coisa: de não ter feito antes. Digo isso porque, se eu tivesse feito dez anos antes, eu teria tido a possibilid­ade de trazer, de ver e de premiar artistas que infelizmen­te não viram o prêmio e que têm para a cultura brasileira uma importânci­a enorme.

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FABIO MOTTA/ESTADÃO

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