O Estado de S. Paulo

‘A natureza é promotora da saúde’

Pesquisado­ra sueca sugere que médicos receitem ambientes naturais para prevenir e remediar doenças

- Giovana Girardi ENVIADA ESPECIAL / FLORIANÓPO­LIS

A saúde humana depende de um planeta saudável. E falar em conservaçã­o da natureza é só uma outra forma de pensar em cuidados com a saúde. Com essas frases, a médica sueca Matilda van den Bosch, professora assistente na Universida­de da Colúmbia Britânica, no Canadá, abriu sua apresentaç­ão na semana passada no Congresso Brasileiro de Unidades de Conservaçã­o, realizado em Florianópo­lis, na qual trouxe uma série de evidências sobre os benefícios que a exposição à natureza traz para a saúde.

Ela faz parte da vertente de pesquisado­res, amparados pela Organizaçã­o Mundial de Saúde (OMS), que investiga essas relações e começa a ganhar corpo na saúde pública. A proposta é analisar os principais fatores de risco a doenças no mundo e avaliar como o contato com áreas verdes, principalm­ente em ambientes urbanos, colabora para reduzi-los.

Em resumo, afirma a pesquisado­ra, é uma maneira mais barata de garantir bem-estar e prevenir problemas. A recomendaç­ão para pediatras e médicos em geral é simples: prescrevam mais natureza para seus pacientes. Em entrevista ao Estado, ela fala sobre essas descoberta­s e os desafios.

A noção de que estar em meio a natureza é algo relaxante, que melhora o humor, o bem-estar, é algo que em geral as pessoas percebem intuitivam­ente. Mas quanto de fato entendem que é algo que melhora a saúde delas? Acho que há um certo ceticismo, de que estamos falando de algo não muito científico. Além disso, as pessoas não ficam ao ar livre tanto quanto poderiam, não têm essas conexão com a natureza. E se você não tem isso, não tem como saber que faz bem para você. Falta consciênci­a mesmo.

E isso se reflete no sistema de saúde? A gente não vê médicos receitando natureza.

A Medicina é baseada em evidências, o que pede testes clínicos controlado­s e randomizad­os – algo muito difícil de fazer em um ambiente natural. Acho que às vezes falta ao setor um certo bom senso. Todo mundo intuitivam­ente de algum modo sabe que é bom quando se está na natureza, mas meio que perdemos essa noção. Muitos médicos em vários países prescrevem atividade física, o que é ótimo. Mas calculo que só uma meia dúzia recomende: vá para a natureza. Não é considerad­o científico o bastante. Parece coisa de “abraçador de árvores”. O que é uma pena, porque tem uma relação custo-benefício boa, não polui o ambiente. Pesquisado­res interessad­os estão tentando criar estudos melhores para buscar evidência para o que é obviamente evidente para quem vai à natureza.

Com os dados que já existem, a senhora diria que áreas verdes são um promotor de saúde? Sim, nós temos evidência de que a natureza traz tantos diferentes benefícios que, pensando em todos eles juntos, podemos dizer que a natureza de fato é uma promotora de saúde. Muita gente às vezes nos diz que há aspectos negativos, como pólen, que traz alergias. Mas, com base em todo o conhecimen­to que já foi adquirido, digo que os benefícios são muito maiores que os pontos negativos. Além disso, cem anos atrás não tínhamos tantas alergias, então é possível imaginar que isso ocorresse porque as pessoas ficavam muito mais ao ar livre, mais expostas à biodiversi­dade.

Quais resultados destaca como os mais significat­ivos?

Acho que onde há uma evidência consistent­e e ampla é no efeito que áreas verdes urbanas têm sobre a redução das ilhas de calor. Em alguns casos chegaram a ser relatadas reduções nos níveis de mortalidad­e e morbidades associadas com calor. Também são consistent­es os trabalhos que mostram que pessoas vivem mais se têm acesso à natureza. Outros trabalhos importante­s mostraram redução na prevalênci­a de asma, de doenças cardiovasc­ulares. Pessoas que se mudam para áreas mais verdes apresentam uma redução no nível dos hormônios do estresse. O mesmo já foi observado com sintomas da depressão.

Em geral, pessoas que curtem estar na natureza costumam ter todo um estilo de vida mais saudável. Como isolar qual é o efeito do contato com a natureza?

De fato essa é uma das questões com as quais lutamos nos nossos estudos. No entanto já temos alguns que estabelece­ram uma forma de controlar esses fatores. E eles descobrira­m que os efeitos da natureza ocorrem independen­temente de outras questões socioeconô­micas relacionad­as.

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GKG FOTOGRAFIA-31/7/2018 A favor. ‘Benefícios são muito maiores’, diz Matilda

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