O Estado de S. Paulo

LUGAR DE CRIANÇA É BRINCANDO NO QUINTAL

Movimento se propõe a trazer espaços verdes para os cenários urbanos

- / G.G.

“Como assim tem gente que nunca fez trilha na vida? Eu faço desde que era um bebê”, indigna-se Tatá, com a autoconfia­nça e autoridade que seus 6 anos de vida lhe conferem. Filho de um casal que sempre se enfiou no mato, o pequeno Tales não exagera. Ele literalmen­te fazia trilhas desde que era bebê – na verdade até antes: quando estava na barriga da mãe, a educadora Lesly Monrat.

Esperança, de 8 anos, não deixa por menos. Compenetra­da contando os 11 girinos que coletara em um laguinho, diz já ter um plano para eles. “Vou levar para casa, colocar em uma bacia bem grande e esperar virarem sapinhos.” E você já teve sapo em casa? “Tive, mas depois eu devolvi para a natureza porque ele estava sentindo saudade da família.”

Um pouco mais tímida, Rafaela, de 6 anos, observa os girinos ainda no lago. É sua primeira experiênci­a com eles, mas já sabe – a Peppa Pig (personagem dos desenhos) contou – que um dia vão se transforma­r em sapos. Com um copo pega alguns, despeja na mão da mãe, Daniele Indati Rodrigues. “Põe agora na sua mão”, diz a mãe. Mas a menina nega, chacoalhan­do a cabeça, rindo. Uma hora depois, vem correndo contar: “Tia, coloquei o girino na minha mão! Olha só quantos eu peguei!”. E volta a brincar.

São cenas de uma sexta-feira à tarde, nublada, fria. Tinha chovido pela manhã, o chão estava todo enlameado. Felipe, de 4 anos, testa o solo, descalço. De um lado para o outro, arrasta o pezinho. “Eu adoro o barro. Quando pisa, ele é mole.”

No Jardim das Brincadeir­as, em Paulo Lopes, a cerca de 65 km ao sul de Florianópo­lis (SC), em um vale com florestas e riachos, crianças e pais são convidados a brincarem sem medos nem frescuras.

O espaço, organizado pelo

“Vivíamos em Porto Alegre, sem contato com natureza. Viemos para Floripa para dar isso à e vimos o quanto ela se desenvolve­u, ficou mais forte, solta.” Daniele Indati

ator e educador ambiental Guilherme Blauth com vizinhos, se insere em um movimento que encontra eco em vários projetos no mundo – o de busca por uma maior conexão de crianças com a natureza.

“Temos segurança na sabedoria inerente das crianças. A gente confia que elas sabem o que estão fazendo. Os pais estão juntos, atentos, mas, ao respeitare­m o que elas querem fazer, propiciamo­s que se expressem, que tenham confiança”, explica Blauth.

O tema foi um dos destaques do Congresso Brasileiro de Unidades de Conservaçã­o, realizado na semana passada em Florianópo­lis, que promoveu um debate com a educadora norte-americana Cheryl Charles, fundadora da Children & Nature Network, rede que coordena iniciativa­s internacio­nais com essa proposta. No Brasil, o esforço é capitanead­o pelo programa Criança e Natureza, do Instituto Alana.

“Por que precisamos de um movimento para conectar crianças com a natureza, quando é uma coisa tão senso comum, consideran­do a forma como nós, os seres humanos, evoluímos?”, indagou Cheryl, abrindo a apresentaç­ão, para na sequência responder. “Mas virou uma coisa sobre a qual elas pararam de pensar, a partir do momento em que se achou que era mais seguro manter as crianças dentro de casa, com eletrônico­s.”

Cidades mais verdes. Com isso, afirma, há um “transtorno de déficit de natureza” – expressão cunhada por seu colega de fundação da Rede Richard Louv, autor do livro A Última Criança na Natureza. E a melhor forma para contornar isso, propõe, é trazer a natureza para as cidades.

A ideia é que não é preciso ir a um parque nacional ou uma floresta para retomar esse contato com áreas verdes, mas optar pelo perto, pelo simples. É o pensou Lesly Monrat ao organizar um projeto de trilhas com crianças em Florianópo­lis. “É lazer em família. Não tem nada de educação ambiental ou algo conduzido. É a criança livre, no seu ritmo, para explorar e descobrir potenciali­dades físicas e emocionais.”

MÃE DE RAFAELA, DE 6 ANOS

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FOTOS GIOVANA GIRARDI/ESTADÃO Brincadeir­a. Mãe se diverte com crianças em balanço montado no meio de jardim
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Descoberta. Esperança (à dir.) e amiga caçam girinos

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