Benditas reservas
As reservas cambiais brasileiras (US$379 bilhões, julho/18) têm sido o objeto de cobiça de alguns economistas e de muitos políticos. As principais críticas são de que o valor é exagerado, com enorme custo de carregamento, e que, se parte delas fosse aplicada em investimentos, o resultado seria a redução dos encargos financeiros da dívida e maior crescimento econômico. Alguns, menos afoitos, propõem o uso de parte dessas reservas para reduzir o estoque de dívida pública. Essa alternativa, menos lesiva do que a primeira, também apresenta problemas.
Comecemos com o tão falado custo de carregamento. Como se sabe, quando o Banco Central (BC) compra dólares ou outras divisas, ele liquida a operação em reais, aumentando a oferta de moeda. Essa liquidez adicional tem de ser enxugada pela venda no mercado doméstico de títulos públicos, cuja taxa de juro é bem superior à que será obtida pela aplicação, no exterior, das reservas. É com base nessa diferença de taxas que se estima, de forma grosseira, o custo de carregamento das reservas. Há alguns problemas sérios com esses cálculos. Vejamos.
O mais óbvio é de que o juro incidente sobre os recursos captados em contrapartida à acumulação de reservas é em reais, enquanto as reservas pagam o rendimento em dólar, mais a variação cambial. Se tomarmos o período 2009 a 2017, para o qual o BC disponibiliza dados comparáveis, veremos que o custo de captação dos reais que financiaram as reservas foi de R$ 689 bilhões. O erro é não deduzir, desse valor, o resultado em reais decorrente das variações (para baixo e para cima) da taxa de câmbio e os ganhos obtidos com as aplicações das divisas no exterior. Segundo a série do BC, esse resultado, no mesmo período, foi positivo em R$ 497 bilhões. Assim, o tão falado custo de carregamento das reservas, no período, foi de R$ 689 bilhões – R$ 497 bilhões = R$ 192 bilhões. É um valor relevante? Sim, mas muito menor do que se apregoa. Observe-se que esse custo se refere a um período de 9 anos, e corresponde aproximadamente a 0,3% do PIB, ao ano.
Até agora falamos apenas em custo (0,3% do PIB, ao ano). No entanto, apesar de ser difícil quantificar, há um enorme benefício decorrente da acumulação de reservas, qual seja, a redução do risco da dívida soberana, hoje em torno de 2% ao ano. Se levarmos em conta a precária situação fiscal do País, o baixo crescimento, as frequentes crises políticas e, atualmente, as incertezas eleitorais, é pertinente supor que tal risco seria muito mais alto, não fosse a sólida posição líquida em moeda forte do Brasil (a dívida pública em moeda estrangeira é de apenas US$ 70 bilhões). Como se sabe, o risco soberano incorpora-se à taxa de juro de equilíbrio que incide sobre todo o estoque da dívida pública mobiliária federal, hoje em quase R$ 5 trilhões.
Há muitas outras repercussões macroeconômicas decorrentes de vendas expressivas de reservas cambiais, cuja análise vai além do escopo desse artigo. Basta citar a provável valorização (não sustentável) do real, aumento da volatilidade cambial, efeitos sobre as exportações e importações, entre outros.
A proposta de utilizar os reais obtidos
No entanto, apesar de ser difícil quantificar, há um enorme benefício decorrente da sua acumulação
pela venda das reservas na capitalização do BNDES, para que o mesmo aumente o crédito direcionado subsidiado, mais do que equivocada, soa assustadora. Basta olhar o resultado que o incremento desse tipo de crédito causou ao País nos governos Lula/Dilma.
E vender reservas para reduzir a dívida bruta? Se a análise sobre as consequências da queda da liquidez do setor público em moeda forte exposta anteriormente estiver minimamente correta, é improvável que haveria qualquer ganho macroeconômico para o País. Então, fazer para quê?
Pelo bem do Brasil, deixem as benditas reservas cambiais em paz e foquem no ajuste fiscal, senhores candidatos.
ECONOMISTA E DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORES. FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁRIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA