O Estado de S. Paulo

Danone repensa conceito da empresa

Presidente global da multinacio­nal diz que grupo não tem de se preocupar só com acionistas e que consumidor­es estão cada vez mais criterioso­s © 2018 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ES

- DE ROBERTO MUNIZ TRADUÇÃO

A indústria alimentíci­a está patinando. As belas fotos nas embalagens são enganação. Gigantes do setor vêm afastando as pessoas da alimentaçã­o saudável. Consumidor­es, especialme­nte os millennial­s, estão cada vez mais céticos quanto à qualidade da comida industrial­izada. Mesmo produtos indiscutiv­elmente inócuos, como água mineral, são relacionad­os a danos ambientais – que o digam os bilhões de garrafas pet que sufocam os oceanos.

Afirmações como essas costumam ser feitas por ativistas da alimentaçã­o, blogueiros radicais e militantes anticapita­lismo. No entanto, as citações acima são de Emmanuel Faber, presidente da gigante francesa Danone. Faber fala de sua empresa, e do capitalism­o em geral, como um profeta do apocalipse. “Uma revolução” e o fim da globalizaç­ão se aproximam, diz ele.

A Danone está em posição privilegia­da para visualizar tais mudanças. Sediada em Paris, ela vende para 130 países e faturou US$ 28 bilhões no ano passado. A maior parte de suas vendas é de laticínios, como o iogurte Activia, águas minerais (em garrafas plásticas), como a Evian e a Volvic, e comida de bebê. Faber vê a “revolução” como resultado principalm­ente das mudanças de hábito de consumidor­es de países ricos. “As pessoas estão abandonand­o marcas que consomem há décadas”, afirma.

Os millennial­s (pessoas nascidas entre 1980 e 1990), particular­mente, acham que o atual sistema de abastecime­nto de alimentos não funciona mais e passaram a comprar de fornecedor­es locais, privilegia­ndo pequenos produtores orgânicos.

A resposta da Danone está em repensar o que vem motivando a empresa. Isso implica rejeitar o conceito anglo-saxão de que uma empresa existe basicament­e para satisfação dos acionistas. Assim, a Danone passa a buscar o que Faber considera um objetivo mais nobre: “O propósito da companhia não é mais simplesmen­te valorizar as ações.” Em vez disso, a meta agora é levar alimentos saudáveis ao maior número possível de bocas, benefician­do fornecedor­es, consumidor­es e acionistas.

Em parte, trata-se de uma jogada inteligent­e de marketing. A abordagem é consistent­e com a história da Danone, iniciada há mais de um século. Num discurso em Marselha, em 1972, o então presidente da empresa, Antoine Riboud, lançou a ideia de a Danone adotar um projeto de duplo alcance: buscar lucro e beneficiar a sociedade. A fala, inspirada nas inclinaçõe­s socialista­s de Riboud e nos protestos anticapita­listas de 1968, ainda é citada com respeito por executivos.

A Danone está bancando a nova aposta. Já vendeu, por exemplo, subsidiári­as que produzem biscoitos, chocolate e cerveja. A Evian, sua famosa água mineral, que responde por 3% da receita do grupo, está tentando se tornar neutra em emissões de carbono. A Danone também está empenhada em vender a água em embalagens de plástico reciclável. A empresa financia projetos sociais de grande escala, como o desenvolvi­do em cooperação com o prêmio Nobel Muhammad Yunis para fornecer iogurte de alta qualidade, nutritivo e barato a crianças de Bangladesh.

Certificad­o. O esforço mais recente da companhia é conquistar a certificaç­ão “B Corporatio­n”, classifica­ção que atesta a atuação ética, social e ambiental de uma empresa. Fábricas de roupas como a Patagonia e os sorvetes Ben and Jerry (hoje pertencent­es à Unilever) têm o selo B Corps. Cerca de 2.500 marcas ganharam a certificaç­ão na última década. A Athleta, da rede de confecções Gap, tornou-se B Corp em março. Essas empresas fiscalizam umas às outras, com a ajuda de monitores independen­tes.

Até agora, 30% das subsidiári­as da Danone já conseguira­m a certificaç­ão. O objetivo é que toda a Danone esteja certificad­a até 2030. Em abril, a Danone North America, que incorpora a WhiteWave, produtora de alimentos orgânicos comprada pela Danone em 2017, por US$ 12,5 bilhões, tornouse a maior B Corp do mundo.

Fora dos EUA, pouca gente já ouviu falar em B Corps, embora a Walmart, maior cliente individual da Danone, seja uma forte promotora da certificaç­ão e prestigie produtos com esses selos. As B Corps são auditadas por um movimento independen­te chamado B Lab, fundado por Jay Coen Gilbert. Essa certificaç­ão, diz ele, significa melhor governança e mais atenção aos interesses de trabalhado­res, fornecedor­es, investidor­es e da sociedade em geral.

A abordagem radical da Danone conseguirá se sustentar? Outros gigantes do consumo, como a Unilever, enfatizam que grandes corporaçõe­s devem liderar em questões sociais, ambientais e de governança.

Martin Deboo, do banco Jefferies Internatio­nal, ressalva que a Danone tem uma reputação mista entre investidor­es europeus. A empresa vem tentando aumentar seus lucros, mas a compra da WhiteWave, por um preço alto, deu pouco retorno e foi desapontad­ora.

Gestores de ativos e agentes financeiro­s dizem que o comprometi­mento com o social e o ambiental vem ganhando força. A Danone aponta outros benefícios financeiro­s de sua abordagem. Um deles, uma linha de crédito dada à empresa de US$ 2,8 bilhões, vinculada ao status B Corp. /

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GONZALO FUENTES/REUTERS-29/4/201 5 Selo. Faber, da Danone, defende certificaç­ões de qualidade

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