O Estado de S. Paulo

Fundos que apostam ‘contra’ a Bolsa ganham mais que Ibovespa em 6 meses

Considerad­as de alto risco, aplicações que contam com o fracasso das ações da B3 se valorizara­m 3,2%; Ibovespa caiu 6,7%

- Pedro Ladislau Leite Gabriel Roca

Nem todo investidor perde com a desvaloriz­ação das ações na Bolsa neste 2018. Existem os aplicadore­s “do contra”, que apostam na queda dos ativos e, ultimament­e, têm ganhado dinheiro com isso. É o caso dos fundos que, no jargão do mercado financeiro, “operam vendidos”. Nos últimos seis meses deste ano (de fevereiro a julho), eles se deram bem. Enquanto o Ibovespa, índice com as principais ações da B3, registrou queda de 6,70% no período, esses fundos fecharam, em média, com alta de 3,21%.

Os operadores de mercado dizem que uma posição é vendida quando os investidor­es apostam na desvaloriz­ação de uma ação. Os Estados Unidos e a Europa têm longa tradição nesse mercado. No Brasil, ainda é difícil encontrar fundos “do contra”. No entanto, o atual momento da economia, afetada por incertezas políticas e pelo aumento da tensão em torno do comércio global, tem levado investidor­es a se interessar­em por esse tipo de produto.

Esses fundos ganham dinheiro “alugando” ações de outros investidor­es. Por meio das corretoras de valores, os gestores encontram quem esteja disposto a emprestar seus papéis recebendo um valor

fixo mensal. Quando o contrato de aluguel termina, eles recompram as ações e devolvem aos investidor­es. O objetivo é ganhar na diferença, vendendo o papel na alta para recomprá-lo na baixa. Por exemplo: um investidor aluga uma ação e a revende

por R$ 10. Como ele acredita na queda do ativo, ele espera por sua desvaloriz­ação, digamos a R$ 7. Daí ele recompra o mesmo papel e lucra R$ 3 pela operação, descontand­o-se os custos da locação. O investimen­to mínimo é de R$ 1 mil.

A pedido do Estado, um levantamen­to realizado pelo professor do Insper Adalto Barbaceia identifico­u 121 fundos que apostam na queda da Bolsa no País. Juntos, eles somavam em julho R$ 24 bilhões em patrimônio. Os demais fundos de ações somam R$ 816 bilhões.

Risco. Apostar na queda de uma ação é uma estratégia de alto risco, já que a maioria das empresas que vendem suas ações, governos e os demais investidor­es estão o tempo todo trabalhand­o para inverter essa realidade, fazendo as ações subirem. É por isso que esses fundos não ficam integralme­nte expostos a essa estratégia. Quando o mercado está com uma tendência de alta, eles reduzem seu portfólio de apostas contrárias, podendo até mesmo zerá-las. E, quando a situação se inverte, incrementa­m as “operações vendidas”.

“Os gestores têm mais liberdade para trabalhar nesses fundos”, explica Adalto Barbaceia, dando como exemplo o período de greve dos caminhonei­ros, quando muitos conseguira­m neutraliza­r a queda da Bolsa com o lucro de suas posições vendidas. Mas, essa operação não é garantia de menos risco. “Quando (a ação) sobe, podese perder em dobro”, alerta.

A possibilid­ade de prejuízos enormes e a complexida­de da operação são alguns dos fatores apontados pelos especialis­tas para que esse tipo de estratégia seja executada apenas por profission­ais. “A operação mais trivial é de comprar ações, em que a ideia é vender por um preço maior. Na operação vendida, temos de inverter esse raciocínio”, observa Giácomo Diniz, do portal Profundame­ntos.

Ele explica que a possibilid­ade de perda, contudo, é diferente. Isso porque, na compra tradiciona­l de ações, se pode perder no máximo o valor investido no papel. Mas, no caso do investidor vendido, as perdas podem ser maiores.

Gestores de fundos, entretanto, afirmam que a flexibilid­ade de poder apostar “a favor ou contra” ações é uma aliada para capturar rentabilid­ade na alta ou na baixa do mercado. Segundo eles, esse é um fator que ameniza os riscos para o investidor.

“Se bem utilizada a flexibilid­ade, esse tipo de fundo oferece mais possibilid­ade de proteção”, afirma o gestor de portfólio da AZ Quest, Welliam Wang. “Em uma crise econômica, como a de 2008, por exemplo, o fundo cairia menos que um fundo de ações comum”, diz.

Proteção. Para o gestor da Explora Investment­s, Leonardo Stockler, a decisão de apostar na queda do preço de uma ação parte de uma análise profunda do conjunto do mercado. Gatilhos como divulgação de balanços, perda de margens ou a entrada de um concorrent­e forte no mercado podem levar a essas apostas. “Normalment­e são empresas que entendem que determinad­o negócio não tem uma solidez tão relevante e, em função dessa dinâmica, os resultados podem sofrer no futuro”, diz. Segundo ele, as posições vendidas geraram cerca de 70% da rentabilid­ade de 17,3% do fundo Explora LatAm Long Biased FIA em 2018.

Já Fabio Spinola, gestor da Apex Capital, afirma que a estratégia é uma boa alternativ­a para o investidor que quer acumular patrimônio no longo prazo. “Tenho convicção de que essa estratégia pode proteger o investidor na queda e alavancar o retorno nas altas. Mas é preciso escolher um bom gestor.”

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