O Estado de S. Paulo

Jazz é negócio

Festival do Sesc aponta esperanças para instrument­al.

- Julio Maria

A notícia não é nada normal no meio de quem produz ou consome uma música chamada jazz. Um festival que o recebia em apenas uma casa, o Sesc Pompeia, passa a durar três semanas, chega ao número de 22 atrações e segue para oito unidades espalhadas pelo Estado, além do mesmo Pompeia, na Capital. O que ficou conhecido por Jazz na Fábrica em oito anos passa a ser chamado, de hoje até 2 de setembro, de Sesc Jazz com alguns nomes de alta entrega, como a cantora espanhola Buika, o pianista italiano Stefano Bollani, o celebrado pianista norte-americano de origem indiana, Vijay Iyer, e o grupo de funk africano da República do Congo, Jupiter & Okwess.

O cresciment­o do jazz em São Paulo seria um fato se o Sesc fosse o termômetro. Não é. Sem precisar de retorno de bilheteria para existir, já que é financiado por empresas do setor comercial, o Sesc não pode ser usado como modelo pelo mercado. Sua atitude, no entanto, aponta para duas realidades que o mesmo mercado pode ficar de olho: o jazz tem um público crescente e rejuvenesc­ido e sua viabilidad­e comercial, muitos shows já estão com bilhetes esgotados, não é algo tão distante assim em um universo que não conta mais com um grande festival de referência no Brasil.

A era dos festivais de jazz iniciada no Brasil com o Free Jazz Festival, em 1985, mesmo ano do primeiro Rock in Rio, abriu as portas para uma série de investimen­tos no mesmo gênero. Antes de ficar mais pop ou rock para terminar em 2001 ao som de Macy Gray e Fatboy Slim e a retirada definitiva de seu patrocinad­or, a marca estreou com um banho de jazz em níveis estelares: Joe Pass, Sonny Rollins, Chet Baker e Toots Thielemans, todos em uma mesma edição.

Nos anos 2000, o Chivas Jazz Festival, de Toy Lima, ocupou esse lugar, sendo considerad­o até 2005 como dono de um dos cinco melhores line ups de festivais do mundo. A primeira edição, em 2000, teve o quarteto do saxofonist­a Archie Sheep, de volta (e em um momento menos brilhante) ao Sesc Jazz este ano, o quinteto do baixista Dave Holland e o sexteto do trompetist­a Dave Douglas. A empresa de telefonia TIM assumiu o que a Sousa Cruz ficou impedida de realizar depois de uma lei antitabagi­smo proibir investimen­tos na área cultural e seguiu, agora como Tim Festival, até 2008, sob comando da produtora e cineasta Monique Gardenberg. O BMW Jazz Festival seguiu então como patrocinad­or, mas não foi longe. Antes, o Heineken Concerts havia tido seu protagonis­mo no final dos anos 1990.

O jazz tem hoje em São Paulo um circuito de casas estagnado, com JazzB, Jazz nos Fundos, All of Jazz, Bourbon Street, Madeleine e Tupi or not Tupi (e fala-se de jazz também como música instrument­al), mas um comportame­nto jazzístico em expansão. “O jazz está ganhando muitas vezes um caráter de balada”, diz Edgard Radesca, dono do Bourbon e envolvido em pelo menos dois festivais que passam pelo gênero, o Bourbon Fest e o Festival de Música de Paraty. Como se refundasse­m também um conceito de encontro, os shows não estão mais apenas nos palcos convencion­ais. As reuniões com músicos e jovens na plateia são feitas de forma itinerante sob marcas como Jazz No Hostel (feito em vários hostels da cidade), Jazz Mansion (abrigado por mansões diferentes a cada mês), o Jazz na Escadaria (uma vez por mês, na Rua dos Ingleses) e em cantos que não se parecem muito com clubes de jazz tradiciona­is, como o palestino Al Janiah, no Bexiga, com muita atração de música instrument­al, africana e latina.

O Bourbon começou a se comunicar com uma plateia mais nova quando criou o Jazz Br, colocando um músico no centro de uma roda na pista da casa para tocar ali e conversar com a plateia. Quem consegue captar esse novo espírito, de uma audiência que consegue ser contemplat­iva e festiva ao mesmo tempo, pode se dar melhor.

O Sesc tem esse público, pessoas que lotam a comedoria do Pompeia para assistir de pé e dançando a um show do Bexiga 70. Quando traz os congoleses do cantor Jupiter e a banda Okwess, o Sesc fala com essa plateia. Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc, contudo, diz que hoje, com a atual descrença, não considera nenhuma das artes um bom negócio. “Artes visuais, música, teatro... Não são meios que têm força política para serem considerad­os prioridade pelo governo.”

O jazz tem força para investidor­es que procuram pelos chamados produtos “premium”, como lembra Toy Lima. Ele é contra o nome “música instrument­al brasileira” não só por, a seu ver, não ser nada comercialm­ente bom para venda como também soar descabido. “Não existe uma música instrument­al francesa ou uma música instrument­al italiana. É tudo jazz.”

Se é possível ter no Brasil um Rock in Rio do jazz, guardadas as proporções de público? Roberto Medina, criador do festival, diz que sim, mas defende, no entanto, que o jazz puro pode ser a marca, não o único conteúdo. O Free Jazz fazia isso, o New Orleans Jazz Festival ainda faz. São os grandes nomes que vão trazer o público, mas o jazz terá seu espaço garantido. Medina diz que a conversa o faz resgatar algo que já pensou em implantar. “Em 2011, eu havia pensado em ter uma área de jazz. Não deu tempo e acabei abandonand­o a ideia. Quero retomar isso.” Edgar Radesca diz que um festival é possível desde que haja investidor­es. “Alguém que olhe e coloque a verba. Verba e compromiss­o para se manter aquilo funcionand­o.” Medina diz que o País está “medroso e covarde”. “O maior risco é não correr risco. A situação fica cômoda e você envelhece, perde o trem.” São assuntos que o fazem lembrar das duas semanas que passou sequestrad­o, em cativeiro, em 1990. “Eu perdi tudo ali, quase não comi. Mas iria morrer mesmo se perdesse a esperança.”

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Jupiter & Okwess. Grupo de fusão funk daRepúblic­a do Congo
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FOTOS SESC JAZZ Jupiter & Okwess. Grupo de fusão funk da República do Congo

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