O Estado de S. Paulo

Um voto irracional

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Uma parte da elite empresaria­l do País começa a declarar publicamen­te sua intenção de voto em Jair Bolsonaro (PSL) para a Presidênci­a da República.

Uma parte da elite empresaria­l do País começa a declarar publicamen­te sua intenção de voto em Jair Bolsonaro (PSL) para a Presidênci­a da República. O que antes era um apoio silencioso e um tanto envergonha­do vai ganhando porta-vozes desinibido­s. A unir esses empresário­s está não o liberalism­o postiço de Bolsonaro, inventado somente para tornar menos difícil declarar voto em quem é tão identifica­do com o estatismo, o nacionalis­mo e a repressão que marcaram a ditadura militar, mas a presunção de que o excapitão, por ser quem é, será capaz de implodir o atual sistema político.

Para os empresário­s que se dizem bolsonaris­tas, é preciso acabar com o presidenci­alismo de coalizão, em que o presidente precisa fazer acordos muitas vezes fisiológic­os com diversos partidos para conseguir votos. Fosse o candidato do PSL capaz desta proeza, mereceria o apoio dos brasileiro­s de boa-fé.

Que o deplorável presidenci­alismo de coalizão é o sintoma mais evidente da submissão da política a interesses paroquiais não se discute. A distribuiç­ão de verbas e cargos para angariar apoio no Congresso torna praticamen­te impossível que o Executivo forme um Ministério com os melhores nomes possíveis, devido ao loteamento entre os apaniguado­s de partidos aliados. Ademais, a governabil­idade fica sempre na dependênci­a da habilidade do presidente de manter a capacidade de barganha.

Não admira que esse sistema, levado a extremos nos governos do PT, cujos escândalos do mensalão e do petrolão foram seu corolário, tenha causado tanta revolta – especialme­nte entre os que trabalham e pagam impostos. O processo que levou ao impeachmen­t da presidente Dilma Rousseff, embora baseado nas criminosas “pedaladas fiscais”, foi politicame­nte impulsiona­do pela sensação, compartilh­ada por milhões de brasileiro­s que foram às ruas protestar, de que o País estava sendo tomado de assalto por uma quadrilha política.

O afastament­o da petista acendeu a esperança de que o sistema fosse afinal se regenerar, mas, para uma parte consideráv­el da opinião pública – na qual se encontram os empresário­s bolsonaris­tas –, os desdobrame­ntos foram frustrante­s. Generalizo­u-se a sensação de que todos os políticos são corruptos, entre outros fatores, pela imprudênci­a de alguns dos integrante­s da Operação Lava Jato, que trataram tênues suspeitas como provas cabais, e pela lamentável atuação da Procurador­ia-Geral da República especialme­nte no caso das denúncias ineptas, porém escandalos­as, contra o presidente Michel Temer.

Diante da percepção de que o sistema é de difícil regeneraçã­o – pois exige uma ampla reforma política que, entra ano, sai ano, ninguém consegue fazer –, gente como Bolsonaro passou a ser vista a sério como opção, por ser identifica­do como alguém avesso a fazer os conchavos políticos que a maioria da população não compreende e repudia. Sua candidatur­a desligada dos grandes partidos e relacionad­a a uma nostalgia da ditadura – idealizada como um tempo de “ordem” garantida por militares incorruptí­veis – ganhou ares de alternativ­a viável para os que consideram que o sistema é irremediav­elmente corrupto e indiferent­e ao destino do País.

O trágico é que alguns desses empresário­s que declaram voto em Bolsonaro admitem que o ex-capitão não tem mesmo capacidade para ser presidente da República. Mas, para eles, isso não é importante. O importante é que a eventual vitória de Bolsonaro representa­ria a ruptura com “o modelo que está aí”, nas palavras de um dos empresário­s desse movimento, cuja crescente mobilizaçã­o foi noticiada pelo Estado.

Até onde se tem conhecimen­to, nenhum desses empresário­s parece saber ao certo o que virá depois dessa projetada ruptura. Mas não é difícil imaginar. Sem partido, com um discurso desagregad­or e antidemocr­ático, adepto de soluções que privilegia­m a violência e – o que ele mesmo admite – um rematado ignorante dos principais problemas econômicos do País, Bolsonaro criaria tal confusão e tensão que o ambiente de negócios, já muito difícil, se tornaria totalmente hostil. Donde se conclui que esse movimento de empresário­s em favor de tal ruptura carece absolutame­nte de racionalid­ade. Pois Bolsonaro não tem como fazer a reforma política e muito menos como sanear as finanças públicas e reativar a economia.

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