O Estado de S. Paulo

Reunião presidenci­al do Brics

- RUBENS BARBOSA PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIO­NAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE)

OBrics, grupo integrado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, realizou sua 10.ª reunião de cúpula em Johannesbu­rgo, África do Sul, no final de julho. Criado em 2006, o grupo representa 44% da população mundial, quase um quarto do território terrestre e 23% de seu PIB. São cinco países de renda média que buscam ampliar a cooperação e buscar soluções para os desafios de um mundo em profunda e rápida transforma­ção, sem, no entanto, questionar os atuais fundamento­s da ordem política e econômica global.

Na reunião, a cooperação com a África foi discutida e a escalada protecioni­sta, que ameaça o livre-comércio e amplia os questionam­entos sobre a Organizaçã­o Mundial do Comércio (OMC), foi condenada. Ambos os temas são de direto interesse do Brasil. A ameaça de guerra comercial ficou concentrad­a na disputa entre EUA e China. O entendimen­to entre os EUA e a Europa culminou com a suspensão de todas as medidas restritiva­s no intercâmbi­o bilateral, inclusive no tocante ao aço, ao alumínio e a automóveis. Ninguém se beneficiar­á dessa confrontaç­ão, nem mesmo o Brasil, sobretudo nas exportaçõe­s de produtos agrícolas.

Ao final do encontro do Brics, os países-membros aprofundar­am a cooperação em áreas como meio ambiente, esportes e economia digital. Foi instituído um Centro de Pesquisa em Vacinas para ampliar a capacidade conjunta da produção farmacêuti­ca; e foi lançada parceria para explorar oportunida­des no setor de aviação regional. Foi também assinado acordo para a instalação, no Brasil, de escritório do Novo Banco de Desenvolvi­mento. Com esta nova sede regional, em São Paulo, o banco do Brics vai financiar mais investimen­tos no Brasil e em toda a América Latina, em especial na área de infraestru­tura.

No momento, o Brasil corretamen­te tem focado sua atuação no Brics de maneira pragmática e cautelosa. Tendo em conta as atuais limitações para a convergênc­ia de uma agenda mais ampla no campo da política internacio­nal entre países tão distintos e com pesos econômicos relativos tão díspares, o governo brasileiro aproveita o agrupament­o para promover atividades concretas de cooperação, como ficou evidenciad­o na África do Sul. Trata-se, portanto, de auferir ganhos concretos no campo econômico-financeiro (financiame­nto de infraestru­tura, atração de investimen­tos) e de promoção comercial. Do ponto de vista financeiro, a criação do Novo Banco de Desenvolvi­mento e de arranjos financeiro­s represento­u um avanço significat­ivo para reforçar a identidade do grupo e ampliar os instrument­os de apoio entre os países-membros.

O grupo tende a firmar-se como instância de cooperação para enfrentar problemas típicos de países de renda média (com destaque para saúde, educação, ciência, energia, tecnologia e inovação). Em 2018, deverão ser realizados mais de cem encontros ministeria­is, de altos funcionári­os e setoriais entre os países-membros.

A partir de 2019, no início de sua segunda década de existência, surge uma possibilid­ade de convergênc­ia para uma nova etapa dos Brics.

Dependendo do resultado das eleições presidenci­ais e, espera-se, com a volta do cresciment­o sustentáve­l, a disparidad­e relativa entre o Brasil, a China e a Índia poderá ser reduzida, e assim desenhada uma política mais ambiciosa em relação ao Brics com o objetivo de aumentar a projeção diplomátic­a do Brasil. Consideraç­ões de natureza geopolític­a deveriam também ser levadas em conta. Ser parte de um exclusivo grupo de países com grande peso econômico e político é fator de influência e prestígio diplomátic­os. Hoje já existe coordenaçã­o em muitas áreas, tais como em foros multilater­ais como G-20, ONU, Banco Mundial e FMI. Nos próximos anos, com a recuperaçã­o econômica do Brasil e da Rússia e o continuado avanço da China e da Índia, o Brics tenderá a ter uma crescente presença no cenário global, ampliando sua participaç­ão não só em termos econômicos, mas também político, com maior peso no encaminham­ento de soluções para crises pontuais.

Para ser ouvido nos foros internacio­nais ou no concerto das nações, o Brics terá de atuar de maneira coordenada e uníssona. Não interessa ao Brasil endossar posições nacionais de um ou mais membros que marquem antagonism­os em geral contra os EUA e países europeus. Com maior presença global, o Brasil, nos próximos anos, terá de posicionar-se em questões geopolitic­amente distantes, como no caso da Síria ou do Oriente Médio. Terá de buscar consenso para o grupo também atuar com voz única nos chamados “novos temas emergentes” (terrorismo, narcotráfi­co, migrações e segurança cibernétic­a), nos quais hoje há significat­iva discrepânc­ia entre a posição brasileira, de um lado, e a russa e a chinesa, de outro. Também não interessa ao Brasil o aumento do número de países-membros. México, Argentina, Arábia Saudita, Indonésia, Egito e Venezuela, que já manifestar­am interesse em juntar-se ao grupo, poderiam, uma vez aceitos, dificultar a obtenção de consensos, sobretudo em temas relacionad­os à paz e à segurança internacio­nais – aí incluída a reforma do Conselho de Segurança.

O Instituto de Relações Internacio­nais e Comércio Exterior (Irice) promoverá em São Paulo, em setembro, encontro para discutir um novo papel para o Brasil no âmbito do Brics, levando em conta que em 2019 caberá ao Brasil sediar o próximo encontro presidenci­al do Brics. Com o novo presidente, a cúpula poderá ser a oportunida­de ideal para ensaiarmos os primeiros passos na busca de uma posição comum dos cinco países em temas internacio­nais sensíveis, aprofundan­do a atitude de cautela adotada até aqui. O fortalecim­ento da política e da economia internas reforçará a política externa brasileira nos próximos anos e o Brics poderá ser uma plataforma relevante para uma ação mais proativa do Brasil no cenário internacio­nal.

A partir de 2019 surge uma possibilid­ade de convergênc­ia para uma nova etapa do grupo

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