O Estado de S. Paulo

‘A democracia precisa dos partidos políticos’

Cientista político diz que siglas vivem ‘situação de descrédito’, o que ‘abre a porta’ para candidatur­as como a de Bolsonaro

- Ricardo Brandt

O americano David Samuels estuda o sistema partidário brasileiro há duas décadas. Professor da Universida­de de Minnesota (EUA), o brasiliani­sta afirma que a polarizaçã­o hoje no Brasil se dá não entre direita e esquerda, mas entre petistas e antipetist­as – dois grupos de perfis semelhante­s que, somados, representa­m quase a metade do eleitorado. Ele também diz que os partidos ficaram em descrédito com os escândalos de corrupção, mas enfatiza que “a democracia precisa de partidos”. Samuels está no País para apresentar o livro que lançou nos EUA em parceria com o cientista político brasileiro Cesar Zucco Júnior, da FGV do Rio, sobre o comportame­nto do eleitorado e o sistema partidário brasileiro (Partisan, Antipartis­ans, and Nonpartisa­ns – Voting Behavior in Brazil, ainda sem tradução).

O eleitor brasileiro é indiferent­e aos partidos ao votar?

Existe uma coerência do sistema partidário no eleitorado. Mais ou menos a metade pensa politicame­nte em termos de ‘eu gosto ou não gosto do PT’. E a outra metade é, na maioria, não politizado, não partidário. Um grupo que não têm afinidade nem é contra partido algum. As qualidades pessoais dos candidatos e a performanc­e do governo são importante­s – por isso, dizemos que o candidato governista terá poucas chances nessa eleição. Mas nossa conclusão é que, para os eleitores partidário­s, a atitude partidária, seja ela positiva ou negativa, molda ou filtra as percepções políticas, como as de performanc­es pessoais e de governo.

Os partidos vivem seu pior momento no Brasil, depois dos escândalos de corrupção?

Todos partidos ficaram em situação de descrédito. A democracia precisa de partidos políticos. Esse é o problema da democracia. O eleitor não gosta de partidos, os partidos são de elites. E o eleitor não gosta de elites. Mas qualquer sistema político precisa de elites. Tem um amigo que diz ‘olha, uma democracia precisa de partidos da esquerda e da direita’. Não é somente o partido de esquerda que vai consolidar e aprofundar a democracia. O Brasil carece de partidos conservado­res com raízes na sociedade, só existem candidatos conservado­res. Isso abre a porta para candidatos como Jair Bolsonaro (PSL).

O Brasil vive um cenário de polarizaçã­o excepciona­l?

Não é somente no Brasil que tem polarizaçã­o, é no mundo inteiro. Nos últimos 30 anos, a economia brasileira tem mudado muito e isso deu vantagens para muita gente, mas também trouxe desvantage­ns para uma porção enorme da população. A precarieda­de de empregos cresceu, afetou a classe média, as pessoas que têm emprego no setor formal. E isso tem a ver com a política, com os padrões de atitudes políticas.

É uma polarizaçã­o estilo democratas versus republican­os? Mais ou menos dois terços ou três quartos dos partidário­s são petistas. Mas tem uma proporção grande do eleitorado brasileiro que é somente antipartid­ário, não tem partido que goste. Aqui, tem mais antipartid­ário puro do que na maioria dos países. Nos EUA, todo antipartid­ário também tem uma afinidade partidária. No livro, mostramos vários países com antipartid­arismo, mas o Brasil tem muitos. E a maioria desses antipartid­ários são antipetist­as, 75% a 80%.

Qual o perfil do petista e do antipetist­a?

Eles não vêm de classes sociais diferentes. Não é que o antipetist­a seja da elite e o petista é pobre, da classe média e baixa. Uma pessoa politizada tem de ter um certo grau de educação, um desejo de se engajar na política. E, geralmente, essas pessoas são de classes socioeconô­micas mais altas. São 20 milhões de antipetist­as. Não podem ser só pessoas das elites. E também tem pobre e gente com PhD que estão entre os petistas.

A aliança do PSDB com o Centrão indica um alinhament­o dos tucanos com a direita?

A moderação do PT fez o PSDB migrar mais para a direita. O PT era a esquerda, se moderou, mudou para o centro e ocupou o espaço do PSDB. O PSDB queria ser um partido de centro-esquerda, mesmo no momento de fundação. O PSDB tem dois problemas principais. Um é tentar tirar os eleitores do Bolsonaro e mostrar que é realmente conservado­r. O outro é como vai fazer campanha sem dizer que é governo hoje.

O PT vai sobreviver sem Lula? Acho que sim, é uma questão aberta ainda. Bolsonaro tem fãs, mas não tem uma organizaçã­o que dá apoio. É a fraqueza principal da campanha dele. A prova foi a incapacida­de de conseguir se coligar com grandes partidos e achar um candidato a vice que adicione alguma coisa. Mas, para o PT, o partido não é só uma pessoa, é uma organizaçã­o grande que tem recursos, tem milhões de simpatizan­tes e diversos políticos pelo Brasil inteiro.

Nos EUA seria possível um candidato condenado e preso? Acho que é coisa inédita no mundo. Acho que não aconteceri­a.

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ALEX SILVA/ESTADAO -8/8/2018 Cientista político. David Samuels estuda o sistema partidário brasileiro há duas décadas

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