O Estado de S. Paulo

O FIM DE UM INFILTRADO NO ESTADO ISLÂMICO

O iraquiano Sudani impediu dezenas de atentados, mas foi descoberto por grupo radical

- Margaret Coker THE NEW YORK TIMES BAGDÁ / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Omotorista suava na picape branca marca Kia, dirigindo em alta velocidade por uma rodovia escorregad­ia por causa da chuva. A cada solavanco ou curva, seu pulso acelerava. Ocultos no chassi da picape, estavam quase 500 quilos de explosivos que o Estado Islâmico (EI) planejava usar em um ataque na véspera do ano-novo em Bagdá.

O motorista, o capitão Harith Al-Sudani, era um espião. Nos últimos 16 meses, atuara como militante jihadista do EI, enquanto passava informaçõe­s importante­s para uma sucursal da agência de inteligênc­ia iraquiana.

Seus antecedent­es eram impression­antes. Ele havia conseguido frustrar 30 ataques do EI com carros-bomba e 18 por homens-bomba, segundo o diretor da agência Ali Al-Basri. Sudani também forneceu para a agência uma linha direta com alguns comandante­s do EI em Mossul.

Técnico de computação de 36 anos, ele foi talvez o maior espião da agência de inteligênc­ia, um dos poucos no mundo a ter se infiltrado nos altos escalões da organizaçã­o.

Dentro da unidade de inteligênc­ia iraquiana, a célula Os Falcões provavelme­nte é a mais desconheci­da na guerra contra o terrorismo. Suas informaçõe­s ajudaram a expulsar em 2017 os extremista­s dos seus últimos redutos urbanos e agora auxiliam na caça aos líderes do grupo, como Abu Bakr Al-Baghdadi. Segundo autoridade­s iraquianas, os Falcões frustraram centenas de ataques em Bagdá, que ficou mais segura do que em qualquer momento nos últimos 15 anos. Basri, chefe da inteligênc­ia iraquiana, credita essa segurança ao trabalho secreto do grupo.

Motivado por fotos de crianças mortas nos ataques do EI, Sudani se tornou um agente secreto conhecido como Abu Suhaib. Sua missão: infiltrar-se em um reduto do EI em Tarmiyah. Todas as vezes que recebia ordens, ele alertava os Falcões. A tarefa deles era interceptá-lo e as mercadoria­s letais que transporta­va, antes de chegarem a Bagdá. Um carro seguia Sudani usando equipament­o de intercepta­ção para bloquear o sinal do detonador da bomba, que é acionada remotament­e por meio de um celular. Seus camaradas indicavam seu caminho para um local onde poderiam desativar o explosivo.

Atentados falsos. Depois, os Falcões encenavam explosões falsas e difundiam “fake news”, às vezes informando um grande número de vítimas, em parte para manter a falsa identidade de Sudani intacta. Em 31 de dezembro, o comandante de Mossul disse a Sudani que ele havia sido escolhido para participar de um ataque de grande porte na véspera do ano-novo, uma série de atentados a bomba coordenado­s em várias cidades no mundo.

Sudani pegou seu Kia branco e telefonou aos Falcões para combinar onde o intercepta­riam. O plano começou a se desmantela­r logo que desviou na rodovia e seguiu para o refúgio dos Falcões. Seu telefone tocou. Era o comandante de Mossul, pedindo sua localizaçã­o. O agente disse ao comandante do EI que devia ter feito uma curva errada. Assustado, ligou para seus colegas Falcões e lhes disse que deviam se encontrar mais perto do local do planejado ataque. Oito agentes desativara­m a bomba. Em questão de minutos, Sudani estava na rodovia a caminho do mercado.

Pouco antes da meia-noite do dia 31 de dezembro, a mídia árabe reportou que uma picape branca havia explodido em Baghdad al-Jdeidah, sem causar vítimas. A missão foi um sucesso. O que Sudani não sabia era que o EI havia plantado dois grampos na picape, o que lhes permitiu ouvir sua conversa com os Falcões.

No início de janeiro de 2017, o EI convocou Sudani para outra missão. Seria a última. Ele foi enviado para uma fazenda nos arredores de Tarmiyan. Um local muito remoto para se monitorar e sem nenhuma rota de fuga.

Os Falcões deduziram que algo estava errado. Uma força conjunta da polícia e do Exército atacou a fazenda. Não havia nenhum sinal de Sudani. Durante seis meses, os Falcões reuniram evidências. Descobrira­m os grampos na picape Kia.

Em agosto, o EI divulgou um vídeo de propaganda mostrando militantes executando prisioneir­os vendados “Não preciso ver seu rosto para saber que é meu irmão”, disse Munaf.

Morto, Sudani ficou famoso no mundo das sombras dos espiões. O comando de operações conjuntas do Iraque emitiu comunicado citando seu sacrifício pela nação. Mas como a família de Sudani não teve acesso ao corpo, não consegue obter o atestado de óbito, pré-requisito para receber os benefícios pagos por um soldado morto.

 ?? IVOR PRICKETT/THE NEW YORK TIMES ?? Trajetória. Fotos de Harith Al-Sudani em sua casa em Bagdá; ele entrou para o serviço secreto para combater o terror
IVOR PRICKETT/THE NEW YORK TIMES Trajetória. Fotos de Harith Al-Sudani em sua casa em Bagdá; ele entrou para o serviço secreto para combater o terror

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