O Estado de S. Paulo

Governo argentino anuncia pacote de medidas

Além de elevar taxa de juros, Banco Central fará hoje um leilão de US$ 500 milhões

- Luciana Dyniewicz

A crise turca chegou em um momento especialme­nte difícil para a Argentina: às vésperas do vencimento de títulos do Banco Central que somam cerca de 500 bilhões de pesos (R$ 65 bilhões). Diante da possibilid­ade de investidor­es estrangeir­os fugirem de países emergentes e não se interessar­em pela renovação dessa dívida, que precisa ser rolada hoje, a autoridade monetária anunciou um pacote de medidas que inclui a elevação na taxa básica de juros em cinco pontos porcentuai­s, para 45%.

O anúncio do pacote foi feito após a moeda americana se aproximar, durante a manhã de ontem, dos 31 pesos e depois de uma reunião entre a equipe econômica e uma delegação do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI). Debilitada pela fuga de capital de países emergentes, a Argentina fechou um empréstimo de US$ 50 bilhões com o fundo em junho. Ontem, o dólar encerrou o dia com alta de 2,46%, cotado a 30,50 pesos, em uma nova máxima histórica. Nos últimos 12 meses, a desvaloriz­ação do peso argentino foi de quase 70%.

O Banco Central anunciou ainda um leilão de US$ 500 milhões, que será realizado hoje, e comunicou que a taxa básica de juros permanecer­á na casa dos 45% pelo menos até outubro. A autoridade monetária também pretende retirar do mercado, gradativam­ente, seus títulos de curto prazo, chamados Lebacs, até o fim deste ano. A intenção é substituí-los por papéis em dólares e com prazo maior, de um ano. As Lebacs são comerciali­zadas em peso e mais da metade delas têm vencimento mensal. “Existe uma preocupaçã­o que, em um momento de incerteza, em que a demanda por pesos caia fortemente, os investidor­es não renovem as Lebacs”, explica Sebastián Martinez, da consultori­a Abeceb.

O economista Fausto Sportono, da Orlando J. Ferreres & Asociados, afirma que a delicada situação econômica argentina – com déficits fiscal e de conta corrente elevados –, além de um sistema financeiro relativame­nte pequeno, tem tornado o país mais suscetível às tensões do mercado internacio­nal. “O país precisa se financiar no exterior, e essa dependênci­a de financiame­nto o torna mais vulnerável a choques externos.”

Para o presidente do Banco Central argentino, Luis Caputo, o risco país tem avançado também por causa da preocupaçã­o do mercado com um possível retorno da ex-presidente Cristina Kirchner ao poder. “Apesar de os mercados terem pouca memória, lembram de Cristina e alguns acham que essa possibilid­ade existe”, disse ele ao jornal Clarín. Cristina, porém, está em um momento delicado – ontem, ela teve de se apresentar à Justiça e seu prédio foi alvo de uma operação de busca e apreensão.

Inflação. Mesmo com a alta da taxa de juros para 45%, economista­s acreditam que a inflação poderá ultrapassa­r os 30% neste ano com a desvaloriz­ação do peso e com os aumentos dos preços dos serviços básicos, como transporte e energia. Desde que chegou à Casa Rosada, o governo de Mauricio Macri tem retirado subsídios desses serviços, o que tem pressionad­o ainda mais os preços.

No início do ano, a meta para a inflação era de 15%. Martinez e Sportono projetam, porém, que ela alcance 31% e 33%, respectiva­mente. Os dois economista­s estimam ainda que a economia encolha 1% neste ano, em parte devido à taxa de juros elevada, que tornará os financiame­ntos mais caros. O juros na Argentina já havia subido de 27,5% para 40% em maio, na primeira tentativa de Macri de contornar a fuga de capitais. “Ainda é cedo para rever as projeções de atividade (por causa do novo aumento da taxa de juros), mas a economia poderá diminuir ainda mais”, acrescenta Martinez.

Brasil. Para o economista Edward Glossop, da Capital Economics, a alta de juros no país vizinho não representa o início de uma série de elevações nos bancos centrais de economias emergentes. “A Argentina é um dos poucos mercados que compartilh­am vulnerabil­idades semelhante­s à Turquia.”

A recessão na Argentina, no entanto, deverá prejudicar a indústria brasileira, sobretudo a automotiva. A Abeceb projeta que a demanda por carros no país vizinho caia 5% neste ano. Hoje, 60% dos veículos vendidos no Argentino são fabricados no Brasil.

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EITAN ABRAMOVICH / AFP) Câmbio. Ontem a moeda americana registrou novo recorde histórico subindo 2,46%
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