O Estado de S. Paulo

Os viajantes e suas síndromes

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Ochocado leitor Marcelo Cruz disse a Mr. Miles que ouviu a palavra exclave, sem ter a menor ideia do que isso poderia significar, embora julgasse que tivesse algo em comum com um enclave. “Indeed, my friend: o mundo está cheio de enclaves, que são porções independen­tes no interior de um outro país, e de exclaves, que significam a mesma coisa, mas estão ligados a um outro país territoria­lmente afastado”, explica nosso colunista.

Miles cita como enclaves o Vaticano e San Marino, na Itália e o Lesoto, na África do Sul. Já Ceuta e Melila são exclaves espanhóis em território marroquino. Assim como Kaliningra­do é um exclave russo entre a Polônia e a Lituânia. “Very easy, isn’t it?” A seguir a pergunta da semana:

Querido Mr. Miles: recebi no meu Facebook uma mensagem explicando uma certa “síndrome de wanderlust”. Isso existe mesmo? Pois, se existe, é exatamente o que eu tenho. Best! Graziella Moreno Boncer, por e-mail Well, my dear: tudo de melhor para você também! Sei que é útil, mas estranho até hoje essa tal “página de rosto (ou de rostos)” que, I presume, seja mais visitada do que a Torre Eiffel ou a Golden Gate. Estranho turismo esse, em que não saímos de casa, vemos as outras pessoas rezando, reclamando e louvando, somos fãs de todos os cães engraçadin­hos e, my God, odiamos a todos. O mundo está mesmo assolado por intromissõ­es que compromete­m a nossa própria razão de ser. Talvez eu devesse dizer que o medo que hoje assola qualquer homem de galantear uma mulher (even in France, mon Dieu!) devesse ser chamado de Síndrome das Paixões sem Início, ou Poorlove Syndrome – em meu idioma natal.

Fosse assim no meu tempo, presumo que teria sido vítima de perseguiçã­o, cadeia e androfobia; quiçá nem sequer tivesse visto o mundo e vivido tantos belos romances.

But you’re right, my dear; a tal síndrome de wanderlust, significa, in fact, a paixão por viajar. Vem de wandern (caminhar) e lust (prazer), duas palavras em alemão que, fundidas como aquele idioma exige, significam mais ou menos isso. Há discussões, porque alguns asseveram que o mal (ou o bem, melhor dito!) teria origem genética. Significar­ia algo como saudades de um lugar nunca visto, uma obsessão que, indeed, eu sinto, mas que suavizo a cada destino que conheço e em cada vez que o reconheço.

Não há um criador conhecido para essa síndrome, darling, mas acho que todos nós, que escrevemos, fotografam­os, filmamos ou registramo­s destinos somos, de certa forma, culpados por esse “bem”, que, infelizmen­te, aflige apenas uma parte pequena da humanidade.

Preocupam-me, muito mais, questões como a síndrome de couchlust, a síndrome da preguiça que aflige aqueles que não trocam seu sofá por nada, nem mesmo quando ele já está exalando odores desagradáv­eis – de gordura, cerveja e suor. Ou o famoso prazer pelo medo (conhecido como síndrome de fearlust), que congela os humanos em suas cápsulas, criam terror de aeroporto, avião, hotel, convivênci­a e, last but not least, conhecimen­to.

Existe também uma síndrome muito moderna e nociva conhecida como síndrome de Trumplust, em homenagem a um presidente que só gosta de seu próprio chão e tenta resolver os problemas repetindo os erros bárbaros que outros povos (desprezíve­is, em sua opinião) já cometeram tantas vezes.

Por fim, há que se reconhecer os estragos por aqueles que caem adoentados, vítimas de dumblust, que é o ato de não viajar por pura burrice, na airosa certeza de que um carro novo, uma televisão com maior número de polegadas – e um número crescente de curtidas no “livro de face” faz melhor à vida do que sair por aí, de mala, mochila ou baú, em busca das duas coisas mais importante­s da vida: a wanderlust ea richlove syndrome, que não pode, jamais, excluir o prazer inenarráve­l da corte e do flerte.

‘Todos que escrevemos ou registramo­s destinos sofremos de wanderlust’

É O HOMEM MAIS VIAJADO DO MUNDO. ELE ESTEVE EM 183 PAÍSES E 16 TERRITÓRIO­S ULTRAMARIN­OS. SIGA-O NO INSTAGRAM @MRMILESOFI­CIAL

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