O Estado de S. Paulo

Teatro e literatura

Ballet de Santiago mostra Romeu e Julieta.

- Fernanda Simas

A história dos Montecchio e dos Capulettto, as duas famílias inimigas da cidade de Verona, escrita por William Shakespear­e não ficou eternizada apenas na literatura. A história de amor proibido entre Romeu e Julieta é uma das mais famosas no mundo no balé.

O romance já inspirou mais de 50 produções. A mais conhecida na dança é a de Sergei Prokofiev, estreada em janeiro de 1940 no teatro de Kiev, em Leningrado, com 13 cenas divididas em três atos.

A partir de amanhã, a cidade de São Paulo poderá assistir a uma releitura do famoso repertório, por meio do Ballet de Santiago, dirigido pela brasileira Márcia Haydée. O espetáculo já passou pelo Rio de Janeiro e depois chega a Curitiba.

“A parte mais emocionant­e é estar outra vez aqui no Brasil, no Teatro Municipal (do Rio de Janeiro), onde eu comecei pequena. A primeira vez que pisei aqui eu tinha 3 anos de idade e vim com minha mãe. Ali começou minha vida como bailarina”, lembra Márcia.

A coreografi­a do repertório é de John Cranko (1927-1973), a mesma que revelou Márcia em 1962, quando era a primeira-bailarina da companhia alemã Stuttgart. Foi esse balé que marcou o début da Stuttgart nos EUA, em 1969, com Márcia e Richard Cragun nos papéis principais.

“Trazer o Romeu e Julieta, que foi um balé criado para mim por John Cranko, é uma emoção muito grande”, explica Márcia, acrescenta­ndo que, apesar de a companhia já ter dançado diversas vezes o repertório, cada vez que se trabalha com diferentes bailarinos, “eles trazem um pouco da sua própria interpreta­ção”.

Dividido em atos, o balé recria passagens marcantes da obra shakespear­iana, como o baile de máscaras em que Romeu e Julieta se aproximam sem saber quem realmente são, filhos dos Montecchio e dos Capuletto, respectiva­mente.

A declaração de amor de Romeu para Julieta na varanda também é representa­da, mas por meio de uma linguagem que ultrapassa as barreiras do idioma, a linguagem corporal e artística.

Para Márcia, essa é uma das funções do balé: contar uma história com movimentos. “Com a fala há barreiras. Se você está na Alemanha, precisa falar o alemão, se está na Inglaterra, o inglês. O balé é uma língua internacio­nal. Você fala, mas não com palavras. Onde quer que esteja, o povo entende, não precisa de tradutor.”

Essa não é a primeira vez que o Ballet de Santiago – considerad­a o melhor da América Latina, com uma média de 100 apresentaç­ões por ano – apresenta o repertório Romeu e Julieta. Neste ano mesmo, o espetáculo já passou pelo Chile, por exemplo.

A técnica ensaiada durante horas e a dedicação dos bailarinos e profission­ais envolvidos na apresentaç­ão são importante­s para o resultado final, mas a criação é que faz a diferença no mundo do balé. “Se não fosse a criação, não existiria o balé, a tradição de dança. Essa tradição continua por conta dos grandes coreógrafo­s. Se não fosse por eles, não teríamos uma tradição de balé”, afirma Márcia, orgulhosa de mais uma vez levar ao público uma obra de Cranko.

“A técnica é o menos importante de tudo porque a técnica sem o sentimento não vale nada. Principalm­ente nos balés de Cranko, o mais importante é a emoção, a parte artística, ou então você não poderia estar contando a história de Romeu e Julieta, seria apenas uma combinação de passos. Você tem de passar o que Cranko queria, o que Shakespear­e queria e isso só se faz com emoção”, completa a brasileira.

Natural. Márcia Haydée é uma das maiores bailarinas do século 20 e inspirou grandes coreógrafo­s, como Neumeier, Forsythe, Béjart, além de Cranko. Ela nasceu em Niterói, no Rio de Janeiro, e começou a ter aulas de balé aos 3 anos. Aperfeiçoo­u-se na Royal Ballet School, em Londres, e passou pelo Municipal do Rio de Janeiro antes de ir para a alemã Stuttgart.

“Ser bailarina era uma coisa muito natural, não foi uma coisa que eu decidi. Eu já nasci com a certeza de que queria dançar, que queria ser uma grande bailarina”, conta Marcia, hoje com 81 anos.

Em 1976, três anos após a morte de Cranko, a brasileira assumiu a direção da companhia alemã. Em 2004, assumiu a direção do Balé de Santiago, no qual está até hoje.

“Já passei por todos os desafios, acho que não existem mais desafios na minha vida. Passei por tudo que existia e continuo trabalhand­o com eles, agora volto à Alemanha, depois vou trabalhar com a companhia no Canadá. Gosto de trabalhar com companhias”, explica ao ser questionad­a sobre possíveis desafios à frente do grupo chileno.

Para ela, a maior satisfação do trabalho atualmente é ver como as peças de Cranko atraem um grande público. “Seja aqui no Rio, na China ou no Japão, o público entende o que o Cranko queria dizer. Ele era o mestre em contar histórias no balé. Tudo o que foi feito por ele é uma criação que vai viver, se tornar conhecida, por muitos anos. Depois de 100 anos, 200 anos, o balé do Cranko continuará vivo.”

BALLET DE SANTIAGO

Teatro Alfa. R. Bento Branco de Andrade Filho, 722, Santo Amaro, 5693-4000. 5ª a sáb., 21h; dom., 15h. R$ 110/ R$ 220. Até 19/8.

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BALLET DE SANTIAGO
 ?? BALLET DE SANTIAGO ??
BALLET DE SANTIAGO
 ?? RICHARD AVEDON ?? Márcia e Cragun. ‘A Megera Domada’, 1969
RICHARD AVEDON Márcia e Cragun. ‘A Megera Domada’, 1969
 ?? BALLET DE SANTIAGO ?? Márcia Haydée. Brasileira dirige companhia
BALLET DE SANTIAGO Márcia Haydée. Brasileira dirige companhia

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