O Estado de S. Paulo

ÁRVORES ‘MONITORAM’ POLUIÇÃO

Cientistas usaram amostras de madeira para obter dados sobre contaminaç­ão por metais

- Herton Escobar

Interessad­os em reconstrui­r o histórico das concentraç­ões de chumbo e outros metais pesados na poluição atmosféric­a paulistana, pesquisado­res foram procurar os dados que precisavam nos arquivos da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb). Não encontrara­m. Então, resolveram perguntar às árvores.

Elas contaram uma boa história: que as concentraç­ões de chumbo no ambiente decaíram rapidament­e a partir de 1989, com a proibição do uso dessa substância na gasolina. E também caíram as concentraç­ões de cádmio, cobre, níquel, sódio e zinco, conforme a cidade foi se “desindustr­ializando” nos últimos 30 anos. Um relato fidedigno com a história, segundo os especialis­tas.

Não se trata de nenhuma pesquisa esotérica, mas de um trabalho publicado por cientistas da Universida­de de São Paulo (USP) e da Universida­de Estadual de Campinas (Unicamp) na revista Environmen­tal Pollution. As árvores, de fato, guardam nas células um registro histórico das substância­s químicas que estavam presentes no ambiente ao longo do seu cresciment­o. Dessa forma, funcionam como “arquivos naturais” da qualidade do ar na cidade.

Para acessar esse arquivo, os cientistas recolheram amostras do tronco de árvores às margens da Avenida Doutor Arnaldo, zona oeste de São Paulo, uma das mais movimentad­as da capital. As amostras, chamadas baquetas, são pequenos cilindros de madeira, extraídos com um broca.

“É como se tirássemos uma biópsia da árvore”, explica o pesquisado­r Giuliano Locosselli, pós-doutorando do Instituto de Biociência­s da USP.

A espécie escolhida como doadora foi a tipuana, uma árvore muito comum na paisagem urbana de São Paulo – apesar de ser originária da Bolívia –, que tem anéis de cresciment­o muito bem definidos.

Cada anel correspond­e a um ano de vida da árvore, e guarda uma amostra dos elementos químicos que ela “respirou e bebeu” naquele período, por meio de suas folhas e raízes.

Análises. As baquetas coletadas na Doutor Arnaldo foram enviadas para o laboratóri­o do pesquisado­r Marco Aurelio Zezzi Arruda, do Instituto de Química da Unicamp, onde foi possível detectar e quantifica­r a presença desses seis metais nas células de cada anel.

São substância­s que não são monitorada­s regularmen­te pela Cetesb, porque as análises são caras e não é possível fazê-las de forma automatiza­da, como ocorre com outros poluentes.

Confirmada a eficácia da técnica, os cientistas vão agora vasculhar os arquivos de outras tipuanas, de diferentes regiões da cidade, para comparar os resultados e entender melhor a história desses poluentes na vida da metrópole, incluindo suas origens, persistênc­ia e impacto na saúde pública. “São lições do passado que podemos usar para nos preparar melhor para o futuro”, diz o orientador da pesquisa, Marcos Buckeridge, da USP.

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GABRIELA BILO/ESTADÃO Tipuana. Espécie usada na pesquisa é uma das mais comuns na cidade de São Paulo

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