Elas agregam textura, beleza e sabor a pratos.
Quem disse que lugar de ovas de salmão, ouriço e capelim é só na cozinha fria japonesa? Chefs de acento contemporâneo usam ovas – como as de truta, frescas e nacionais – para agregar aos pratos textura, beleza e um sabor característico de mar
Mari Hirata pega as ovas de bacalhau e mistura as bolinhas de tom rosa intenso com shoyu, manteiga e creme de leite fresco. Está feito o molho, uma espécie de carbonara do mar, que a chef nipo-brasileira radicada em Tóquio vai combinar com espaguetini recém-escorrido. A receita, que fez parte da aula anual da chef na Escola Wilma Kövesi, na semana passada, ilustra o diferente tratamento que ovas de pescados recebem em variadas cozinhas pelo mundo. E esse uso das ovas de um jeito ocidentalizado – além de sushis e sashimis – ganhou força no Japão nas últimas décadas.
“A cozinha italiana começou a ficar na moda no Japão nos anos 1990”, conta Mari. A chef explica que esse espaguete com ovas de bacalhau, o tarako espaguete, é considerado o número 1 no Japão. “É tão popular que no supermercado se vende tubo com o creme pronto”, diz.
Do mesmo jeito que a Europa invadiu o Oriente, a culinária japonesa influenciou o Ocidente e fez chefs levarem à mesa outras ovas além de caviar, como as típicas de sushis: ikura (ovas de salmão), massago (de capelim), tobiko (de peixe-voador) e uni (que são as ovas e todo o interior do ouriço-do-mar).
As ovas agregam aos pratos um sabor de mar (toque iodado, umas mais intensas que outras), textura de bolinhas (umas maiores, como as de salmão) e apelo visual com cores variadas (amarela, laranja, vermelha, preta e até verde).
A maioria chega importada ao Brasil, já tendo passado por um processamento (com inclusão de sal, principalmente) para a sua conserva. Mas quando frescas elas oferecem ainda mais possibilidades gastronômicas, pois é o chef que faz a sua “conserva” e a reidratação com bebidas como espumante, cachaça e saquê (típico no Japão).
No Brasil, as ovas frescas mais comuns são as de tainha, as de ouriço e as de truta, que ganharam espaço graças a criadouros na Serra da Mantiqueira e em Santa Catarina.
No Evvai, o chef Luiz Filipe Souza começou a usar as ovas de truta no ano passado, compradas de Lages (SC). Atualmente elas estão em dois pratos: na carne cruda (tartar) com creme de raiz forte e no risoto nero de sepia com lagostim. “Ela explode na boca, a cor é linda e ainda por cima é uma ova brasileira”, diz Luiz, que usou as ovas também num dos pratos com o qual foi classificado para a final do Bocuse d’Or, que será em janeiro na França.
No Evvai, Luiz primeiro coloca as ovas frescas por 1h30 na salmoura (para deixá-las “crocantes”) e depois 1h30 no prosecco (que agrega acidez).
Cores. Peixe da mesma família do salmão, a truta é criada em água doce fria e não migra para o mar, como o salmão. Suas ovas são menores que as do salmão (devido ao tamanho do peixe) e sua coloração é naturalmente amarela – se a ração não contiver corante, como explica a pesquisadora Yara Aiko Tabata, do Instituto de Pesca em Campos do Jordão. Segundo ela, as ovas de peixes que vivem no mar adquirem as cores dos peixes e crustáceos dos quais se alimentam. As do salmão selvagem são naturalmente laranja. O salmão de cativeiro, porém, recebe ração com pigmento.
Outras ovas são “pintadas” após a desova, caso do massago (ovas de capelim), que podem ser pretas, vermelhas e até verdes, quando pigmentadas com wasabi. O massago preto está entre os preferidos, pois remete à cor natural do caviar de beluga (ovas de esturjão, entre as mais caras da espécie). No Ema, o massago é usado por Renata Vanzetto para finalizar o lagostim com consommé de tomate verde e dill. As ovas de capelim também ficaram mais populares pois custam menos que a metade das ovas de mujol, tradicionais “substitutas” do caviar de beluga e de sabor mais intenso que massago. Da família da tainha, o mujol (que também serve para fazer bottarga) tem ova pigmentada de preto após a desova.
No Olympe, no Rio, o chef Thomas Troisgros serve no seu “menu confiance” um lagostim com couve, beurre blanc e ovas de mujol empanadas. “Quando você frita a ova de salmão, ela parece uma cera por dentro. Já a de mujol fica oca, supercrocante”, diz o chef, que apresentou essa ova frita há quatro anos em aula do Paladar Cozinha do Brasil ao lado de seu pai, Claude.
As ovas de tainha, muito usadas para bottarga (quando curam e secam), também são usadas frescas (e vendidas congeladas após junho, com o fim da safra). Dagoberto Torres, do Barú, costuma fazer tempurá de ova fresca de tainha, depois de tirar a membrana do ovário e deixá-la marinando uma noite.
Frutos do mar. Ovas de crustáceos e moluscos também são usadas, como as de camarão e vieira. As mais comuns são as de ouriço-do-mar (uni), cujo “creme” alaranjado recheia a carcaça. No Olympe, quando tem uni, Thomas o usa na salada de azedinha com picles de cebola roxa e espuma de vinho branco.
No Tuju, volta e meia o uni aparece – atualmente, Ivan Ralston serve tostada de milho branco com ouriço, abacate e limãocravo. “A melhor época do uni é o inverno. É muito bom se bem manipulado, com sabor iodado”, diz Ivan, que passa limão e sal nele. Já Thiago Cerqueira Lima (Loup) gosta da untuosidade do uni, que vai bem em tartar de carne no lugar de maionese.