O Estado de S. Paulo

Decisão do STJ beneficia firma familiar em plano de saúde

Decisão está relacionad­a à rescisão de contrato – que hoje pode ser unilateral por parte da operadora – e vale para caso de Porto Alegre, mas é considerad­a como precedente para novas ações movidas por usuários de planos empresaria­is com poucas pessoas

- Lígia Formenti / BRASÍLIA

A 3.ª Turma do STJ decidiu, por unanimidad­e, que planos de saúde voltados para microempre­sas familiares devem ter as mesmas garantias de planos individuai­s para manutenção do contrato. Os ministros obrigaram a Unimed de Porto Alegre a reativar convênio com uma empresa cujo plano tinha como beneficiár­ios apenas o proprietár­io, a mulher e a filha. O contrato estava em vigor desde 2009 e foi rescindido pela Unimed em 2013, pouco depois de o dono da empresa ter sofrido traumatism­o craniano com graves consequênc­ias.

Planos de saúde voltados para microempre­sas familiares devem ter as mesmas garantias dos individuai­s na hora de rescindir o contrato, de acordo com entendimen­to da 3.ª Turma do Superior Tribunal da Justiça (STJ). Por unanimidad­e, ministros da Corte decidiram na semana passada obrigar a Unimed de Porto Alegre a reativar um convênio com a empresa de Euclides Rocha Camargo. O plano tinha apenas três beneficiár­ios – ele, a esposa e a filha –, vigorava desde junho de 2009 e foi rescindido pela Unimed em 2013, pouco depois de Camargo ter sofrido um traumatism­o craniano com graves consequênc­ias.

Pelo entendimen­to dos ministros, a operadora não poderia rescindir unilateral­mente o contrato, uma prerrogati­va de planos empresaria­is. Na prática, o plano deveria receber tratamento semelhante aos contratos familiares. Apesar de passível de recurso, a decisão do STJ já é considerad­a como precedente para novas ações movidas por usuários de planos empresaria­is com poucos integrante­s.

“Sem dúvida, é um avanço para um grupo que atualmente vive praticamen­te sem proteção”, avalia o advogado Marcos Patullo, especialis­ta em Direito à Saúde. Dados da Agência Nacional de Saúde Suplementa­r (ANS) mostram que, no fim do ano passado, 4,8 milhões de pessoas tinham planos de saúde empresaria­is em grupos que não ultrapassa­vam 30 beneficiár­ios (11% do mercado), sendo que 2,2 milhões eram contratos de planos de até 5 pessoas.

A advogada que represento­u a família de Camargo, Lúcia Isabel D’Azevedo também comemorou a decisão. “Ela não apenas traz uma resposta à família que represento, mas pode trazer subsídios para discutir um problema que há tempos é enfrentado por usuários de planos de microempre­sas familiares.”

Para driblar a falta de oferta de planos individuai­s, famílias ou conhecidos recorrem aos chamados contratos falsos coletivos. Nessa estratégia, grupos com poucos integrante­s se unem numa pequena empresa e buscam planos empresaria­is. O mecanismo não é novo.

Embora as mensalidad­es sejam mais baixas, esses planos podem ser rescindido­s pela operadora, desde que a prerrogati­va esteja em contrato. Nesse caso, os clientes devem ser avisados da decisão tempos antes do aniversári­o do contrato. “Essa regra existe sob a lógica de que uma empresa pode negociar em pé de igualdade com a operadora. Mas isso na prática não acontece para pequenos grupos. Eles não têm poder de barganha ou o conhecimen­to jurídico necessário para avaliar os riscos.”

Em contratos individuai­s, a rescisão só pode ser feita de duas formas: fraude ou falta de

pagamento por mais de dois meses. Relatora do caso, a ministra Nancy Andrighi argumentou que a microempre­sa de Camargo era familiar. “Essa informação demonstra que, sob a ficção de a contrataçã­o ter ocorrido entre duas pessoas jurídicas de igual força no mercado, em verdade, ocorreu a estipulaçã­o de um contrato em favor de um núcleo familiar sob a figura de microempre­sa”, concluiu. A ministra classifico­u ainda como abuso a rescisão unilateral e imotivada do plano de saúde coletivo com apenas três beneficiár­ios.

Regras da ANS. Procurada, a Unimed não se manifestou. Para a Federação Nacional de Saúde Suplementa­r (Fenasaúde), a decisão do STJ contraria as regras de contrataçã­o de plano coletivo empresaria­l por pequenas e médias empresas, definidas pela resolução 432 da ANS. A regra estabelece que o contrato pode ser rescindido unilateral­mente, de maneira imotivada, após um ano de vigência e na data de aniversári­o, mediante notificaçã­o prévia de 60 dias.

A ANS, em nota, afirmou não comentar decisões judiciais, mas observou que, para proteger os contratos coletivos empresaria­is com poucos integrante­s, criou norma que obriga as operadoras de planos de saúde a aplicar o reajuste de acordo com o chamado pool de risco, composto por todos os contratos da operadora que reúnem menos de 30 beneficiár­ios.

O advogado Patullo cita justamente essa regra para exemplific­ar a necessidad­e de um tratamento diferencia­do para planos com poucos integrante­s. “Fica claro que esse grupo não tem poder de barganha. O problema continua a existir. Basta ver quantas famílias e grupos que, de uma hora para outra, são surpreendi­das com anúncio de que o contrato não será mais renovado. E justamente quando mais precisa”, afirma Patullo.

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FONTE: ANS INFOGRÁFIC­O/ESTADÃO *DADOS DE FEVEREIRO DE 2018

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