O Estado de S. Paulo

Verissimo

- LUIS FERNANDO VERISSIMO ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

O que ninguém quer ouvir a aeromoça perguntar é se há alguém a bordo que saiba pilotar o avião.

Numa das suas crônicas, o ótimo Antonio Prata lamenta que não é incomum ouvirse, dentro de um avião, a voz de uma aeromoça perguntand­o se há um médico a bordo, mas até hoje ninguém ouviu uma aeromoça perguntar se há um cronista a bordo. Tenta-se localizar um médico para atender um passageiro que está mal, é óbvio. Mas que emergência exigiria a presença de um cronista no avião? É, Antonio, como dizia aquela música de alguns anos atrás, a gente somos inútil. Somos espectador­es dessa coisa terrível que se convencion­ou chamar de “isso que está aí”, ou, pior, isso que está se armando nos horizontes da pátria como as nuvens negras de uma ópera wagneriana. Fazer o que, salvo crônicas?

E vai piorar. A próxima voz de aeromoça que se ouvir no nosso avião metafórico pode estar pedindo mais do que um médico para tratar um doente ou, vá lá, um palhaço ou uma odalisca para distraí-lo. O que, decididame­nte, ninguém quer ouvir a aeromoça dizer é:

– Tem alguém que saiba pilotar um avião a bordo?

Porque a sensação que se tem é a de estar num avião cujo piloto se jogou pela janela. Né não?

Consolemo-nos, Antonio, enquanto o pior não vem. Você conhece a história da mãe judia que, no meio de um espetáculo teatral, se levanta e grita:

– Há um médico na plateia? O espetáculo é interrompi­do, três ou quatro médicos solícitos atendem o chamado da senhora e perguntam o que ela quer. A senhora responde:

– Quero apresentar a nossa Sarinha, 19 anos, um mimo. E também cozinha...

E tem aquela do... Mas não adianta. Não dá para fingir que não vemos as nuvens negras no horizonte. Algumas dicas para sobreviver no temporal que se aproxima: em hipótese alguma assista aos debates políticos, para não se desencanta­r, não com os candidatos, mas com a espécie humana em geral. Beba muita água, Tenha pensamento­s positivos ou, na falta deles, pense na Patricia Pillar. Se os sintomas persistire­m, emigre.

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