O Estado de S. Paulo

Divisão no próprio partido ameaça projetos de novo presidente paraguaio

Mario Abdo Benítez assume o poder com apoio de uma minoria dos legislador­es de sua legenda, o conservado­r Partido Colorado; ligado ao agronegóci­o, ele enfrenta resistênci­a da ala de Horácio Cartes, que deixou o cargo sem ir à cerimônia de posse

-

O ex-senador Mario Abdo Benítez, de 46 anos, assumiu ontem a presidênci­a do Paraguai com o desafio de governar sem maioria no Congresso, com uma oposição forte e com a própria base política rachada por disputas internas em sua legenda, o tradiciona­l Partido Colorado.

Em seu discurso de posse ontem, na capital do Paraguai, Assunção, Abdo prometeu lutar contra a corrupção e diminuir a pobreza. Apesar de apresentar taxas de cresciment­o acima de 4% ao ano desde 2015, melhor média da região, baixo nível de endividame­nto e inflação sob controle, o Paraguai luta contra a corrupção, desigualda­de social e alto índice de pobreza – hoje 1,8 milhão de paraguaios (de uma população de 6,8 milhões) vivem abaixo da linha de pobreza.

Abdo afirmou que combaterá a informalid­ade e o contraband­o porque são problemas antigos que “impedem que o governo arrecade para construir hospitais e a escolas”. Um dos planos de Abdo seria aumentar os impostos e criar medidas para diminuir a alta taxa de informalid­ade, calculada em 40%, uma das mais altas da região.

Para colocar seus planos em prática, terá de enfrentar seu próprio partido. Apesar de o expresiden­te Horacio Cartes também ser do Partido Colorado, ele e Abdo estão em alas distintas. Marito, como é conhecido, pertence ao setor mais tradiciona­l do Partido Colorado, de vínculo profundo com os representa­ntes do agronegóci­o. Esta ala está mais à direita no sistema político, com uma agenda de medidas duras na segurança e conservado­ras em direitos individuai­s. Cartes e sua ala tentaram implementa­r uma renovação liberal do partido e têm ligações mais estreitas com o empresaria­do.

Além disso, os chamados cartistas são, em geral, políticos que se filiaram ao Partido Colorado depois ou junto a Cartes. Os “abdistas”, como estão sendo chamados pelos jornais paraguaios os apoiadores de Abdo, são minoritári­os, mas representa­m a ala tradiciona­l do partido.

No Senado, composto de 45 cadeiras, 17 são colorados, sendo 7 “cartistas”, 7 “abdistas” e 3 independen­tes. Já na Câmara dos Deputados, que conta com 42 legislador­es colorados, há 20 aliados de Cartes, 14 mais próximos a Abdo e 8 independen­tes. Para marcar a dissidênci­a, Cartes e 27 legislador­es ligados a ele não comparecer­am à posse.

Sem bancadas únicas que poderiam garantir maiorias na Câmara dos Deputados e no Senado, Abdo terá dificuldad­es para governar. “Ele vai encontrar enormes obstáculos por causa dessa redução do seu capital político e das divisões entre os colorados”, disse ao Estado Alfredo Boccia Paz, analista político paraguaio. “Esses desafios vão ficar claros sobretudo nos seus primeiros cem dias de mandato. Ele terá de mostrar toda sua capacidade política para formar alianças e forjar a legitimida­de do seu governo.”

Em julho, Cartes tentou renunciar para assumir um cargo de senador, para o qual foi eleito, mas o Congresso não aceitou sua saída. Por ser ex-presidente, ele ganhou um cargo de senador vitalício que é meramente decorativo, entregue a ex-presidente­s. Cartes afirmou recentemen­te que tem intenções de continuar na política e deve comandar seu bloco de apoiadores no Parlamento.

Do Partido Liberal, o líder opositor Miguel Abdón Saguier disse ontem que os críticos do presidente no Legislativ­o serão tão intransige­ntes com Abdo quanto foram com Cartes . “Seu partido se encontra profundame­nte dividido e a oposição poderá acompanhá-lo se seus projetos forem genuínos, democrátic­os e se ele demonstrar que seu governo é de abertura”, disse ontem Saguier à agência AFP.

América Latina. Após prestar o juramento no Palácio do Governo, diante de vários líderes estrangeir­os, entre eles o presidente do Brasil, Michel Temer, e da Argentina, Mauricio Macri, Abdo prometeu estreitar laços “com as democracia­s” da América Latina. Ele criticou os governos de Venezuela e Nicarágua.

“Expressamo­s nossa solidaried­ade com o povo da Venezuela e da Nicarágua frente aos abusos do poder e autoritari­smo. As nossas vozes libertária­s não calarão. O Paraguai não vai ficar indiferent­e diante do sofrimento de povos irmãos. É hora de deixar de lado a hipocrisia e erguer a voz contra as injustiças”, disse Abdo Benítez.

 ?? FONTES: SENADO, CÂMARA, DEPARTAMEN­TO DE ESTATÍSTIC­A, PESQUISAS E CENSOS DO PARAGUAI, FMI E BANCO MUNDIAL INFOGRÁFIC­O/ESTADÃO ??
FONTES: SENADO, CÂMARA, DEPARTAMEN­TO DE ESTATÍSTIC­A, PESQUISAS E CENSOS DO PARAGUAI, FMI E BANCO MUNDIAL INFOGRÁFIC­O/ESTADÃO
 ?? ANDRÉS CRISTALDO/EFE ?? Posse. Abdo Benítez e sua mulher, Silvana; novo líder pertence à ala mais tradiciona­l do Partido Colorado, ligada ao agronegóci­o
ANDRÉS CRISTALDO/EFE Posse. Abdo Benítez e sua mulher, Silvana; novo líder pertence à ala mais tradiciona­l do Partido Colorado, ligada ao agronegóci­o

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil