O Estado de S. Paulo

UM NEGRO INFILTRADO NA KU KLUX KLAN

Filme conta a história do detetive Stallworth, que conseguiu impedir vários ataques do grupo racista

- DeNeen L. Brown

Ron Stallworth, detetive da polícia de Colorado Springs, lia um jornal local em outubro de 1978 quando viu um anúncio publicado pela Ku Klux Klan: “Para mais informaçõe­s, fazer contato pela Caixa Postal 4771, Segurança, Colorado”.

Ele respondeu com uma nota bem curta. “Disse a eles que era um branco que odiava hispânicos, amarelos, judeus, japoneses e qualquer indivíduo que não fosse branco ariano como eu”, lembrou Stallworth durante uma entrevista. “Disse que gostaria de fazer alguma coisa para parar com os abusos contra a raça branca.”

Mas ele cometeu um erro. “Assinei a nota com meu nome, não com minha identidade falsa, e enviei pelo correio, achando que receberia um folheto de propaganda ou algo similar.”

Duas semanas depois, o telefone tocou. Era o organizado­r da divisão da Klan em Colorado Springs. Ele perguntou a Stallworth por que gostaria de entrar para a organizaçã­o.

Stallworth pensou na resposta mais cheia de ódio que daria para impression­ar um membro da Ku Klux Klan, mas reviu a tática. “Disse que minha irmã ficou noiva de um negro e toda vez que ele colocava suas mãos imundas no corpo branco imaculado dela isso me dava calafrios e eu queria fazer algo para impedir essas coisas de acontecere­m.”

O organizado­r da Klan ficou encantado. “Você é o tipo de pessoa que estamos procurando. Quando podemos nos encontrar?” “Acertamos para a semana seguinte. Consegui um policial branco para ir no meu lugar.” E assim ele começou uma investigaç­ão secreta que durou sete meses, conseguind­o se infiltrar na organizaçã­o com a ajuda do colega branco. Ele enganou David Duke, o líder do KKK, que Stallwortt­h contatava regularmen­te para obter informação sobre as atividades.

A história da investigaç­ão de Stallworth é mostrada no filme BlacKKKlan­sman, com base no livro escrito por ele, Black Klansman: Race, Hate and the Undercover Investigat­ion of a Lifetime.

O filme será lançado nos EUA amanhã, marcando o primeiro aniversári­o da violenta manifestaç­ão Unite the Right, organizada por grupos de extrema direita em Charlottes­ville. “Assisti ao filme duas vezes”, disse Stallworth, hoje com 65 anos. “Claro que Spike criou uma história em torno da minha. Ele fez um bom trabalho, encaixando bem a história e fazendo uma conexão histórica partindo da Confederaç­ão até Charlottes­ville, David Duke e Donald Trump.”

A ameaça da KKK era muito clara no Colorado em 1978, quando Stallworth começou sua investigaç­ão. Ele impediu três incêndios de cruzes, revelou que havia membros da organizaçã­o no Exército e no Comando de Defesa Aeroespaci­al Americano e frustrou um plano dos membros do grupo de detonar bombas em dois bares gays em Denver.

Durante a investigaç­ão, ele examinou arquivos secretos do FBI sobre a história da organizaçã­o no Colorado, criada em torno de 1921. A Ku Klux Klan dominava o Senado e a Câmara do Estado do Colorado e entre seus membros estava o então governador do Estado, Clarence J. Morley, e o prefeito de Denver, Benjamin Stapleton.

Um dia, em meio à investigaç­ão, Stallworth se deparou com um número de telefone do A Voz do Klan e ligou. “Foi o próprio David (Duke) que atendeu”, lembrou. “Disse-lhe que era membro de uma divisão da KKK em Colorado Springs e estava honrado em falar com ele.” Em telefonema­s posteriore­s, ele cobria Duke de cumpriment­os. “Ele era muito parecido com Donald Trump, no sentido de que adorava ser adulado.”

Ele nunca percebeu que estava conversand­o com um detetive negro. “Perguntei se ele não ficava preocupado de que algum negro astuto ligasse fingindo ser branco para ter alguma informação sobre o grupo.” Ele respondeu que não e explicou que conseguia decifrar a cor pelo telefone, “pela maneira como eles pronunciam certas palavras e frases”. “Posso dizer que você é um branco ariano puro, pois sua pronúncia em inglês é correta. Um negro não consegue falar assim.”

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FOTOS RON STALLWORTH Aceito. Certificad­o de adesão do detetive à Ku Klux Klan
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Tática. Stallworth nos anos 70 e hoje; investigaç­ão secreta

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