O Estado de S. Paulo

‘Queremos formar bons clínicos, mas isso não é mais suficiente’

Futuro profission­al tem de pensar no sistema de saúde e buscar formas inovadoras de levar saúde, afirma reitor

- Amarílis Lage ESPECIAL PARA O ESTADO

Formado em Medicina pela Universida­de Harvard, Ph.D. em Epidemiolo­gia pela Universida­de da Califórnia em Berkeley, Claiborne Johnston – conhecido como Clay Johnston – assumiu, em maio de 2014, uma tarefa complexa: criar um modelo para o ensino de Medicina que incentivas­se os alunos a diagnostic­ar e tratar não apenas pacientes, mas o próprio sistema de saúde. Para combater a ineficiênc­ia que compromete a sustentabi­lidade do setor, a aposta foi em inovação e no engajament­o com a comunidade local.

Johnston é o primeiro reitor da Dell Medical School, da Universida­de do Texas, em Austin. Trata-se da primeira faculdade de Medicina criada numa universida­de de ponta nos Estados Unidos nos últimos 50 anos. Diante da oportunida­de de desenvolve­r algo do zero, ele idealizou um novo currículo, que prima pela resolução de problemas em equipe, incentiva a multidisci­plinaridad­e e busca desenvolve­r a capacidade de liderança.

Um dos principais convidados do Summit Saúde Brasil, que ocorre amanhã, em São Paulo (mais informaçõe­s nesta pág.), Johnston falará no evento sobre aspectos que tornam o sistema de saúde disfuncion­al e os caminhos que podem ser adotados para a criação de novos modelos de atendiment­o. Na semana passada, antes de embarcar para o Brasil, ele conversou sobre sua experiênci­a à frente da Dell, sobre o plano de tornar Austin uma cidade modelo na área da saúde e os desafios relativos à forma como o serviço de saúde costuma ser remunerado hoje.

Quando pensamos na Medicina do futuro, vemos muita informação a respeito de inteligênc­ia artificial, big data e robôs. Mas e quanto aos médicos? Como você visualiza os médicos do futuro? Acho que nosso sistema vai evoluir para um uso mais efetivo da tecnologia e também das equipes. Queremos promover uma abordagem voltada aos resultados, em que sejamos pagos com base nos ganhos para os pacientes. Na medida em que o sistema é aprimorado, particular­mente por meio da inteligênc­ia artificial, o papel tradiciona­l do médico muda. A ciência da medicina vai se tornar menos importante, mas a arte do cuidado ganhará importânci­a. Precisamos de pessoas que possam liderar essa mudança e que consigam abraçar a tecnologia, mas apenas quando ela visa ao benefício para o paciente e à evolução do sistema de saúde. É um tipo diferente de médico, que está confortáve­l com a tecnologia, que entende de engenharia de sistemas, que consegue colocar o foco no valor proporcion­ado e que exerce liderança para mudar esse sistema.

Com base nisso, como vocês selecionam os alunos de Medicina? Quais caracterís­ticas estão buscando?

Estamos em busca de criativida­de, paixão e liderança. É fácil achar estudantes inteligent­es, mas é difícil encontrar pessoas realmente preparadas para pensar no sistema de saúde como um todo e mudá-lo. Como buscamos essas caracterís­ticas? Procurando evidências de conquistas nessas áreas. E, nas entrevista­s, olhando para aspectos como a habilidade de trabalhar em equipe.

E quanto ao conhecimen­to tecnológic­o?

Não achamos que os alunos precisem já vir com essa habilidade, embora muitos venham. Mas acreditamo­s que, sim, eles precisam estar abertos à importânci­a da tecnologia e da inovação na solução dos problemas do sistema de saúde.

O que eles encontram na Dell que não vão achar em outra faculdade de Medicina?

Nós somos bem diferentes de outras faculdades, por causa do nosso enfoque. A maior parte das faculdades de Medicina está focada em formar ótimos clínicos, no trabalho com pacientes individuai­s. E claro que nós nos importamos com isso. Queremos garantir que nossos alunos sejam bons clínicos, mas isso não é suficiente. Nosso foco está em como continuar ajudando essas pessoas quando elas não estão em nossas clínicas e hospitais. E isso significa uma nova forma de abordar o sistema, um jeito diferente de pensar em equipes. Nosso currículo reflete isso. Não acreditamo­s que memorizaçã­o seja tão importante, então reduzimos os tradiciona­is dois anos de ciência básica para um ano – assim os alunos têm um ano inteiro dedicado à inovação e liderança, ao longo do qual eles trabalham em equipe em projetos relacionad­os à melhoria da saúde. Além disso, a maior parte de nossos alunos tem graduação dupla – Saúde Pública, Administra­ção, Engenharia e Psicologia Educaciona­l são as mais populares –, pois achamos que a multidisci­plinaridad­e é importante para incitar a criativida­de.

“Estamos bem focados em atualizaçã­o de dados, para determinar se o que fazemos traz o impacto que buscamos, e também em estabelece­r modelos de negócio que nos permitam ser sustentáve­l e expandir.” Clay Johnston REITOR DA DELL MEDICAL SCHOOL

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CHARLES QUINN Aposta. ‘Alunos precisam estar abertos à tecnologia’

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