O Estado de S. Paulo

Prefeitura e Estado disputam o Pacaembu

Dúvida surge em meio ao processo de concessão do complexo esportivo. Terreno foi doado ao Estado nos anos 1920, enquanto a Prefeitura é quem fez o complexo esportivo, inaugurado em 1940

- Bruno Ribeiro COLABOROU FELIPE RESK

A suspensão do processo de concessão do Estádio do Pacaembu, determinad­a pelo Tribunal de Contas do Município, virou disputa pela propriedad­e do local entre a Prefeitura e o governo do Estado, informa Bruno Ribeiro.

A suspensão do processo de concessão do Estádio do Pacaembu, na zona oeste de São Paulo, anteontem, pelo Tribunal de Contas do Município (TCM), se transformo­u em uma disputa pela propriedad­e do local, entre a Prefeitura e o governo do Estado. Documento mostra que o terreno foi doado ao Executivo paulista na década de 1920, enquanto a Prefeitura é quem fez a construção do complexo esportivo, inaugurado em abril de 1940. O governo estadual afirma possuir a escritura do terreno; já o Município defende ter a posse da área.

Os questionam­entos sobre a propriedad­e do estádio vinham sendo debatidos desde o ano passado, quando a Prefeitura o listou como um dos itens prioritári­os do Programa Municipal de Desestatiz­ação da gestão João Doria (PSDB). Ainda com Geraldo Alckmin (PSDB) como governador, Prefeitura e Estado se reuniram para discutir o tema. E a tratativa seguiu no sentido de se levantar as escrituras do terreno, que seria do Estado, e formalizar um instrument­o legal que permitisse conceder o estádio da Prefeitura para um futuro ente privado.

O documento mais antigo que a Prefeitura tem sobre o terreno, a que o Estado teve acesso, é um certificad­o de doação de uma área da Prefeitura à Companhia City, empresa que fez o loteamento do bairro do Pacaembu, datado de 8 de julho de 1936. A transação descrita é para formalizar a doação de outra área, de 25 mil metros quadrados, à empresa, para compensar o uso do terreno do estádio, que já estava em construção, e precisava de mais espaço.

Mas o texto diz que, em 8 de agosto de 1921, a City havia doado os 50 mil m² do Pacaembu ao Estado, não à Prefeitura, “para a construção de um estádio para fins desportivo­s”. Só que a obra, que terminou quatro anos depois, foi feita pela Prefeitura.

O processo de concessão seguiu, agora em 2018, sem que as formalidad­es jurídicas sobre a propriedad­e do terreno fossem sanadas. Nova reunião para tratar do tema voltou a ocorrer ainda anteontem, já com representa­ntes das Secretaria­s de Governo da gestão Márcio França (PSB) e da Justiça do governo Bruno Covas (PSDB). Mas os presentes ainda não sabiam que o TCM paralisari­a o certame, o que ocorreu no mesmo dia.

Disputa.

Após a suspensão, França – adversário do ex-prefeito Doria na eleição para o governo do Estado – tornou o tema público. Em nota, afirmou que o “Estado é proprietár­io de dois terços da área total do Complexo do Pacaembu e não foi consultado durante o processo da concessão”. “Tampouco consta neste processo qualquer documentaç­ão referente à posse da área.” O Estado chegou a produzir laudo com um mapa sobre a propriedad­e do terreno, conforme adiantou o site BR18,

do Estado. Mas as imagens do mapa haviam sido produzidas pela Prefeitura, na época em que a concessão já era discutida com a iniciativa privada.

A Prefeitura rebateu a nota de França, com informaçõe­s que obteve nas duas reuniões técnicas sobre o assunto. “Representa­ntes do Estado admitiram nem sequer ter a matrícula da área, que lhe teria sido cedida há mais de 80 anos”, disse a Prefeitura, também em nota.

Ao Estado, o Município confirmou também não ter as escrituras, mas disse que “tem a posse de parte do terreno desde 1936”. “Como é de conhecimen­to público, o estádio e o complexo esportivo do Pacaembu foram construído­s pela Prefeitura, geridos e mantidos por ela desde 1940, sem ter de prestar contas para o Estado”, segue a nota. O texto citou ainda o Museu do Futebol, que ocupa parte do espaço. O museu é do Estado, só que o uso da área pública só se deu após a Prefeitura publicar, por decreto, um Termo de Permissão de Uso da área.

Questionad­o pela reportagem ontem, o Palácio dos Bandeirant­es enviou o termo de doação do terreno da Companhia City ao Estado, de 1921. Era área avaliada em “300 contos de réis”, cujos detalhes da doação são escritos em letra cursiva, com papel timbrado do 7.º Tabelião de Notas, no “Largo da Sé”. Mas não há detalhes do processo de repasse da área à Prefeitura, o que, segundo avaliações de procurador­es do Estado, não obedecia às formalidad­es legais de hoje.

Licitação.

A paralisaçã­o da concessão não está ligada à polêmica sobre a posse do terreno. O TCM questiona a composição jurídica das empresas participan­tes. O edital permite que interessad­os possam subcontrat­ar uma empresa com expertise na gestão de estádios.

O TCM disse que empresas com essa capacidade técnica têm de estar entre as sócias do consórcio, o que a Prefeitura questiona. Apesar da medida do tribunal, o Executivo decidiu receber ontem os envelopes das interessad­as e obteve quatro propostas. Os envelopes foram lacrados, e estão à espera do desfecho do caso.

Covas defendeu ontem o edital, mas negou que vá entrar na Justiça contra a decisão do tribunal. Ele tem 15 dias para responder aos questionam­entos do órgão. /

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AMANDA PEROBELLI/ESTADAO Em suspenso. Paralisaçã­o da concessão não teve relação com posse; três conselheir­os do Tribunal de Contas do Município questionar­am composição jurídica das empresas participan­tes

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