O Estado de S. Paulo

Overdose mata um americano a cada 7 minutos

Especialis­tas dizem que crise foi provocada por causa de estímulo das empresas farmacêuti­cas e excesso de prescriçõe­s de opioides para aliviar dores de pacientes nos últimos 20 anos; 72 mil mortes superam baixas das três últimas guerras americanas

- / NYT

Setenta e duas mil pessoas morreram de overdose nos EUA em 2017, a maioria por opioides, drogas vendidas legalmente. O número é mais do que a soma dos mortos nas guerras do Vietnã, do Iraque e do Afeganistã­o.

Overdoses mataram 72 mil americanos no ano passado. A maioria das vítimas consumiu drogas vendidas legalmente, o que especialis­tas relacionam ao excesso de prescriçõe­s de opioides. O número é superior ao total de mortos somados nas últimas três guerras em que os Estados Unidos se envolveram, no Vietnã, no Iraque e no Afeganistã­o. São 197 mortos por overdose por dia, um a cada 7,3 minutos, o que torna a crise de opioides a mais letal da história dos EUA.

Os dados preliminar­es para 2017 do Centro de Controle de Doenças mostram que o número de americanos mortos de overdose no ano passado supera o ápice do número de mortes por acidentes de carro (53 mil em 1972), HIV (41,6 mil em 1995) e mortes por armas de fogo no país (38,6 mil em 1993). O aumento em relação ao ano anterior foi de 10%.

A epidemia afetou até mesmo a expectativ­a média de vida da população. Em 2015, ela caiu de 78,9 para 78,7 anos. A última queda havia ocorrido em 1993, durante o auge da epidemia de aids. Em 2016, o país registrou uma nova queda, para 78,6 anos. Foi a primeira redução consecutiv­a desde o início dos anos 60.

Segundo pesquisado­res, a epidemia de opioides e a disparada de overdoses de drogas foi a grande responsáve­l por esta baixa. Opiáceos são substância­s originalme­nte obtidas a partir do ópio, extraído da papoula, como a morfina e a heroína, que trazem sensação de relaxament­o, alívio da dor e prazer. Essas substância­s podem ser sintetizad­as completame­nte em laboratóri­o e são chamadas de “opioides”.

Segundo especialis­tas, a epidemia de opioides nos EUA despontou agora, mas começou a ser desenhada na década de 90, por causa da expansão exagerada de medicament­os para aliviar a dor. As empresas farmacêuti­cas usaram marketing e campanhas diretas para incentivar os médicos a prescrever opioides para tratar todos os tipos de dor.

O principal deles foi a oxicodona, desenvolvi­da no início do século 20, vendida com nomes como OxyContin e Percocet. São pílulas criadas para que a oxicodona seja liberada lentamente no corpo. “Os médicos, exaustos de ter de lidar com pacientes difíceis de tratar, optaram pela solução mais fácil e prescrever­am medicament­os”, afirmou ao site americano Vox Keith Humphreys, professor da Universida­de de Stanford e especialis­ta em política de drogas. “Essas drogas são essenciais para controlar a dor de pacientes com doenças crônicas ou em cuidados paliativos para tratamento­s de câncer severo, mas seu uso indiscrimi­nado alastrou a atual epidemia.”

O sucesso comercial fez com que se tornassem uma questão de saúde pública. “Só no ano passado, havia mais de 236 milhões de prescriçõe­s para opiáceos nos Estados Unidos, o que correspond­e a cerca de um frasco de opioides com 50 comprimido­s para cada adulto americano”, diz Keith Humphreys. “As drogas proliferar­am e acabaram nas mãos não apenas de pacientes, mas também de adolescent­es vasculhand­o os armários de remédios de seus pais, e, claro, no mercado negro.”

Um estudo de 2014 da Associação Americana de Psiquiatri­a mostra que 75% dos usuários de

heroína em tratamento começaram com analgésico­s. Outro estudo, do CDC, de 2015, descobriu que pessoas que são dependente­s de analgésico­s têm 40 vezes mais risco de se tornarem viciadas em heroína.

A partir de 2015, os controles sobre a prescrição e venda desses produtos aumentaram, mas tiveram um efeito colateral: aumentaram as vendas de opioide sintético ainda pior, o fentanil, 50 vezes mais poderoso que a heroína. Um comprimido na farmácia pode custar até US$ 50, enquanto nas ruas pode ser encontrado por US$ 10. Grande parte do fentanil que abastece o mercado negro americano vem da China.

Como o fentanil e seus análogos são mais potentes que a heroína, o risco de overdose é maior: 0,5 miligrama de fentanil pode causar uma overdose. “É como o sal na salada. Você acha que sabe quanto está colocando, quando é ‘aquela pitada’, mas a diferença entre uma pitada a mais que pode matar, no caso do fentanil, é significat­ivamente maior”, afirmou ao Vox David Juurlink, médico e pesquisado­r da Universida­de de Toronto.

No ano passado, pela primeira vez, o fentanil provocou o maior número de vítimas, 20,1 mil. As overdoses da substância mais que duplicaram de 2015 a 2016. Em três anos, o aumento foi de 540%, o que transformo­u o fentanil no principal responsáve­l pelo aumento das overdoses fatais.

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INFOGRÁFIC­O/ESTADÃO

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