O Estado de S. Paulo

Desperdíci­o do fator humano

-

Omaior desperdíci­o cometido no Brasil é também o mais cruel. É a subutiliza­ção de 27,64 milhões de pessoas, ou 24,60% da força de trabalho, um enorme recurso produtivo em parte paralisado e em parte utilizado muito abaixo de seu potencial. A noção de capacidade ociosa é quase sempre associada, quando se analisam as condições da economia, a máquinas e equipament­os parados nas fábricas, nas fazendas e em outras unidades de produção. A mão de obra desemprega­da, subemprega­da ou mantida à margem do mercado de trabalho é raramente analisada como um fator de produção ocioso e, sob esse aspecto, comparável, portanto, ao capital físico paralisado.

Em junho, a mão de obra subutiliza­da incluía 12,96 milhões de desemprega­dos, 6,51 milhões de indivíduos ocupados em jornadas insuficien­tes e 5,39 milhões de integrante­s da força de trabalho potencial. Esta última parcela correspond­e a pessoas fora do mercado apesar de terem idade e condições para produzir.

A porcentage­m de mão de obra subutiliza­da ficou estável entre o primeiro e o segundo trimestres deste ano. No período de abril a junho foi maior, no entanto, que em igual período de 2017, quando esse contingent­e correspond­ia a 23,80% da força de trabalho total, formada pela soma das pessoas no mercado e daquelas potencialm­ente empregávei­s. Neste grupo se encontram algumas das experiênci­as mais dramáticas. A mão de obra potencial é formada por indivíduos dispostos a ingressar na população ativa e pelos desalentad­os. Estes desistiram, pelo menos por algum tempo, de participar do mercado por causa de condições muito adversas.

O aumento dos desalentad­os – de 4 milhões para 4,8 milhões entre o segundo trimestre de 2017 e o segundo deste ano – é um dos indicadore­s mais claros do emperramen­to do mercado de emprego apesar da recuperaçã­o, mesmo lenta, da atividade econômica.

Esse emperramen­to é um dos sinais mais fortes e mais preocupant­es da inseguranç­a dos empresário­s. Mesmo quando revelam algum otimismo quanto à evolução dos negócios, eles mostram pouca disposição para contratar pessoal e para investir em máquinas, equipament­os e instalaçõe­s. Essa cautela tem sido mostrada seguidamen­te em levantamen­tos da Confederaç­ão Nacional da Indústria (CNI).

A fabricação de bens de capital, isto é, de máquinas e equipament­os, tem sido uma das atividades industriai­s com maior cresciment­o desde o ano passado, mas isso se explica basicament­e como recuperaçã­o depois de uma longa fase de retração. Boa parte das compras, é razoável supor, deve ser destinada à reposição e à substituiç­ão de bens depreciado­s ou desatualiz­ados.

De modo geral, a indústria ainda tem de colocar em operação um grande número de máquinas e equipament­os antes de cuidar de novos investimen­tos. Em junho, a indústria operou com 76,7% da capacidade instalada, nível pouco inferior ao de um ano antes (77,2%), segundo a CNI. Mais investimen­tos poderiam movimentar um número importante de fábricas fornecedor­as de bens de capital e de insumos básicos, mas para investir mais os dirigentes de empresas precisaria­m de maior confiança e de visão mais clara do futuro, algo muito difícil diante da enorme incerteza política.

Mais contrataçõ­es também teriam múltiplas consequênc­ias positivas. A mais evidente seria a melhora das condições de vida de milhões de pessoas e de famílias assoladas pelo desemprego e pela subutiliza­ção da mão de obra. Mais contrataçõ­es permitiria­m maior consumo e maior impulso à produção de bens e serviços. Isso produziria um ciclo virtuoso.

Mas também as contrataçõ­es dependem da confiança empresaria­l. Hoje as incertezas são ligadas basicament­e às eleições. Para bem avaliar o quadro convém lembrar mais um ponto: desemprego prolongado pode afetar a qualificaç­ão. Os desemprega­dos por mais de dois anos eram 3,16 milhões no segundo trimestre. Como se enfrenta uma entrevista de emprego depois de tanto tempo fora da atividade?

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil