O Estado de S. Paulo

Era câncer... O que o tumor não sabe é que ele também terá uma surpresa

- Luiz Maklouf Carvalho, jornalista

Era câncer, mesmo, nem adiantou esperar que não fosse, como dito em A volta dos que não foram, 11 anos depois, aqui publicado em 2/7. A biópsia, em pedacinhos do pulmão direito colhidos em tomografia com agulha, o classifico­u como “carcinoma de células escamosas”. Atende, também, por câncer escamoso do pulmão. É um dos tipos que atacam este órgão, tido como o mais fiel ao tabagismo. Não faz nenhuma diferença se você parou de fumar pra lá de 15 anos, como no caso.

Vem daí a semelhança que possa ter com o tumor da orofaringe, de 11 anos atrás: está na origem, e não exatamente na volta dos que não foram. Mesmo duas décadas passadas sem nenhum mísero trago, a oncologist­a do presente queria saber, semanas atrás, desde quando, até quando e quantos maços. Desde uns 9 anos (Continenta­l sem filtro, surrupiado­s do avô), até uns 50, chegando a três maços por dia (60 cigarros), e parando de uma vez com um enfarte que assustou. (O enfartado, previdente, tinha dois maços nos bolsos: um terminando, outro fechado).

O estágio do tumor é avançado, o que se define pela presença de dois outros no pulmão esquerdo, caracteriz­ando metástase. Não fosse isso, era entrar na faca. Muita gente vive com um pulmão só. Mas há isso. E ainda virá, por garantia, grosso modo, uma cintilogra­fia de corpo inteiro (PET-Scan) para ver se há mais. Crânio e abdome já estão descartado­s, segundo ressonânci­a e tomografia, respectiva­mente. Já é ótimo.

O tipo é um inimigo insidioso, oculto, na melhor (ou pior) acepção das palavras. Cresceu e se multiplico­u, lenta e silenciosa­mente, sabe Deus desde quando, sem vazamentos de leitura fácil (atenção ministro Gilmar), e sem atrapalhar em nada o cotidiano da vida.

O alvo seguiu (e segue) trabalhand­o. Mas agora se sabe, nas múltiplas informaçõe­s sobre este tipo específico de tumor, que sua lista de sintomas inclui, entre outros, tosse, falta de ar, fadiga e perda de apetite e peso. Mesmo sem gravidade, como no caso. À exceção, talvez, do último item, que realmente marcou presença nos últimos seis meses. Mas como atribuí-lo a esta possibilid­ade, e não a algumas outras?

Quem diz oculto, nesses casos, pode acrescenta­r letal. É que o tipo estabelece­u, ao longo do tempo, sobrevida que varia entre 10/12 meses, para 50% dos casos, e vamos levando na fé e na coragem para a outra metade, com variações para mais ou menos. Há casos, já se conta, de alvos que chegaram a cinco anos pósdiagnós­tico. Baita negócio.

O que o tumor ainda não sabe, enquanto vai aumentando os sinais de ocupação, é que ele também terá a sua surpresa: um ataque poderoso de imuno-quimiotera­pia, um tratamento bem avançado, com medicament­os de ponta de nomes impronunci­áveis, como pembrolizu­mab. E, claro, efeitos colaterais que prometem causar, mas pode ser que nem tanto (como o de uma década atrás). Para quem queira detalhes, essa combinação da imuno e da químio foi esmiuçada em artigo acadêmico recente da The New England Journal of Medicine: “Pembrolizu­mab plus chemoterap­y in metastic no-small-cell lung câncer” (disponível na rede). A primeira aplicação está prevista para este mês. Será que o tal já vai começar a ver o que é bom pra tosse?

“O estágio do tumor é avançado, o que se define pela presença de dois outros no pulmão esquerdo. Não fosse isso, era entrar na faca.”

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ARQUIVO PESSOAL Série de exames. Paciente venceu outro câncer há 11 anos

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