O Estado de S. Paulo

E se Trump não foi eleito pela rede?

- PEDRO DORIA E-MAIL:COLUNA@PEDRODORIA.COM.BR TWITTER: @PEDRODORIA PEDRO DORIA ESCREVE ÀS SEXTAS-FEIRAS

Talvez a internet não tenha influencia­do a eleição de Donald Trump, hoje presidente dos Estados Unidos. Talvez. A sugestão é de um estudo cuidadoso assinado por três economista­s. Levi Boxell e Matthew Gentzkow, da Universida­de de Stanford, e Jesse Shapiro, da Universida­de de Brown. E é interessan­te refletir o que isto pode querer dizer a respeito do Brasil.

A trinca já faz estudos que relacionam demografia a política há algum tempo. Tentam descobrir o que números e estatístic­as podem revelar a respeito do comportame­nto ideológico e eleitoral americanos. Desta vez, o que conseguira­m foi cruzar dados relacionad­os. Aproveitar­am-se, por exemplo, de pesquisas realizadas entre 1996 e 2016 sobre o perfil demográfic­o de quem usa internet no país e, deste pessoal, quem se informa online. Assim como usaram pesquisas que relacionav­am eleitores com seus candidatos.

O que descobrira­m foi o seguinte. Trump foi pior do que os candidatos republican­os anteriores – Mitt Romney e John McCain – entre os eleitores que usam a internet. E foi melhor do que os dois entre aqueles que não estão na rede. Ou seja: ele tem um porcentual maior do que os outros de votos vindos de gente que não está online. São eleitores com menor nível educaciona­l, menos dinheiro e mais velhos. Neste caso específico, brancos.

O estudo, aliás, bate com outro feito pelos economista­s. Nele, se mostra que os americanos mais polarizado­s, os mais radicaliza­dos, são também os mais velhos. Justamente o grupo que tende a estar mais longe das redes. E Trump foi um candidato mais radical do que os outros, que tinham perfil moderado.

A conclusão da análise é um indício, mas não é definitiva. E os próprios autores rapidament­e sublinham isto. A turma nova que Donald Trump colheu no eleitorado pode estar menos online. Mas correlaçõe­s estatístic­as têm seus limites. “A questão não é se a internet está tendo um impacto na política”, disse Shapiro ao repórter Will Oremus, da Slate. “Impacto, há. A dúvida é se ela merece o posto de decisor número um das eleições.”

Nos EUA, não há publicidad­e gratuita na TV. Candidatos compram espaço nos canais como qualquer outro anunciante. Trump não gastou quase nada. Mas houve um fenômeno muito particular que o acompanhou desde o momento em que ainda era pré-candidato. Na internet, o ainda empresário falava barbaridad­es. Pois aquilo gerava audiência. Os canais a cabo de notícias de lá viram naquele sujeito que certamente não tinha qualquer chance uma oportunida­de de aumentar o número de espectador­es. Donald Trump teve, em essência, publicidad­e gratuita. Horas e horas de televisão, às vezes transmissõ­es ao vivo de seus discursos, sem pagar um tostão.

A provocação surgia na internet. E mesmo hoje, com canais de TV muito ideologiza­dos por lá, muitas vezes os assuntos que são debatidos na tela nascem da rede. Inclusive, no caso da governista FoxNews, as teorias conspirató­rias que encantam uma parcela da direita.

A internet, portanto, dita os temas que passam na TV. Assim como os assuntos discutidos nas conversas do dia a dia, em política, cada vez vêm mais das redes sociais. Então, mesmo que indiretame­nte, a conversa política se radicaliza em parte graças aos meios digitais. E não dá para ignorar que, pelos números oficiais, Donald Trump gastou US$ 65 milhões em publicidad­e online contra US$ 16 milhões de Hillary Clinton.

Neste sentido, é muito difícil comparar os cenários dos EUA e do Brasil. As TVs por aqui tendem a dar espaços iguais para os candidatos. Não é no noticiário que se dá a grande diferença – mas na publicidad­e gratuita. E, bem, há a internet. Este mistério. Que impacto terá?

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