E se Trump não foi eleito pela rede?
Talvez a internet não tenha influenciado a eleição de Donald Trump, hoje presidente dos Estados Unidos. Talvez. A sugestão é de um estudo cuidadoso assinado por três economistas. Levi Boxell e Matthew Gentzkow, da Universidade de Stanford, e Jesse Shapiro, da Universidade de Brown. E é interessante refletir o que isto pode querer dizer a respeito do Brasil.
A trinca já faz estudos que relacionam demografia a política há algum tempo. Tentam descobrir o que números e estatísticas podem revelar a respeito do comportamento ideológico e eleitoral americanos. Desta vez, o que conseguiram foi cruzar dados relacionados. Aproveitaram-se, por exemplo, de pesquisas realizadas entre 1996 e 2016 sobre o perfil demográfico de quem usa internet no país e, deste pessoal, quem se informa online. Assim como usaram pesquisas que relacionavam eleitores com seus candidatos.
O que descobriram foi o seguinte. Trump foi pior do que os candidatos republicanos anteriores – Mitt Romney e John McCain – entre os eleitores que usam a internet. E foi melhor do que os dois entre aqueles que não estão na rede. Ou seja: ele tem um porcentual maior do que os outros de votos vindos de gente que não está online. São eleitores com menor nível educacional, menos dinheiro e mais velhos. Neste caso específico, brancos.
O estudo, aliás, bate com outro feito pelos economistas. Nele, se mostra que os americanos mais polarizados, os mais radicalizados, são também os mais velhos. Justamente o grupo que tende a estar mais longe das redes. E Trump foi um candidato mais radical do que os outros, que tinham perfil moderado.
A conclusão da análise é um indício, mas não é definitiva. E os próprios autores rapidamente sublinham isto. A turma nova que Donald Trump colheu no eleitorado pode estar menos online. Mas correlações estatísticas têm seus limites. “A questão não é se a internet está tendo um impacto na política”, disse Shapiro ao repórter Will Oremus, da Slate. “Impacto, há. A dúvida é se ela merece o posto de decisor número um das eleições.”
Nos EUA, não há publicidade gratuita na TV. Candidatos compram espaço nos canais como qualquer outro anunciante. Trump não gastou quase nada. Mas houve um fenômeno muito particular que o acompanhou desde o momento em que ainda era pré-candidato. Na internet, o ainda empresário falava barbaridades. Pois aquilo gerava audiência. Os canais a cabo de notícias de lá viram naquele sujeito que certamente não tinha qualquer chance uma oportunidade de aumentar o número de espectadores. Donald Trump teve, em essência, publicidade gratuita. Horas e horas de televisão, às vezes transmissões ao vivo de seus discursos, sem pagar um tostão.
A provocação surgia na internet. E mesmo hoje, com canais de TV muito ideologizados por lá, muitas vezes os assuntos que são debatidos na tela nascem da rede. Inclusive, no caso da governista FoxNews, as teorias conspiratórias que encantam uma parcela da direita.
A internet, portanto, dita os temas que passam na TV. Assim como os assuntos discutidos nas conversas do dia a dia, em política, cada vez vêm mais das redes sociais. Então, mesmo que indiretamente, a conversa política se radicaliza em parte graças aos meios digitais. E não dá para ignorar que, pelos números oficiais, Donald Trump gastou US$ 65 milhões em publicidade online contra US$ 16 milhões de Hillary Clinton.
Neste sentido, é muito difícil comparar os cenários dos EUA e do Brasil. As TVs por aqui tendem a dar espaços iguais para os candidatos. Não é no noticiário que se dá a grande diferença – mas na publicidade gratuita. E, bem, há a internet. Este mistério. Que impacto terá?