O Estado de S. Paulo

Os pendurical­hos da Justiça

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Amenos de dois meses do término de seu mandato à frente do Supremo Tribunal Federal (STF), a ministra Cármen Lúcia pautou para a sessão do dia 12 de setembro, um dia antes de passar ao cargo para seu sucessor, ministro Dias Toffoli, duas ações questionan­do a constituci­onalidade dos pendurical­hos da magistratu­ra, que está entre as corporaçõe­s mais bem pagas da administra­ção pública. A primeira discute o pagamento de auxílio-alimentaçã­o para os 18 mil juízes e desembarga­dores. A segunda trata de um auxílio para o aperfeiçoa­mento profission­al dos magistrado­s do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que recebem, anualmente, valor equivalent­e à metade de um salário para adquirir livros.

Além dessas duas ações, a ministra Cármen Lúcia anunciou que poderá incluir nas próximas sessões plenárias da Corte o julgamento da inconstitu­cionalidad­e do auxílio-moradia. No valor de R$ 4.377,73, ele é pago a todos os juízes, inclusive aos que têm casa própria e na mesma cidade em que estão lotados. Embora o processo tramite há vários anos, graças a uma liminar concedida pelo ministro Luiz Fux, em 2013, os beneficiad­os continuam sendo pagos regularmen­te. Pelas estimativa­s da Advocacia-Geral da União, a manutenção da liminar já custou R$ 1 bilhão aos cofres públicos. Pelos cálculos da Consultori­a Legislativ­a do Senado, o valor é superior a R$ 1,6 bilhão.

Nos próximos dias, o STF também concluirá, por meio do plenário virtual da Segunda Turma, o julgamento de um recurso dos juízes do Tribunal de Justiça do Acre contra uma decisão do ministro Gilmar Mendes. Em 2017, Mendes suspendeu o pagamento de um adicional de 40% nos vencimento­s dos juízes acrianos, que era pago sob a justificat­iva de que têm diploma superior. Após ter analisado o recurso, na semana passada o ministrou liberou o processo para julgamento.

O julgamento dessas quatro ações pode passar a ideia de que o Supremo vem coibindo com rigor a criativida­de dos diferentes braços especializ­ados do Judiciário referente aos vencimento­s de seus magistrado­s. Essa ideia, contudo, é enganosa. Ao todo, tramitam atualmente na mais alta Corte do País quase duas dezenas de ações questionan­do a constituci­onalidade de verbas de representa­ção, bonificaçõ­es e um sem número de gratificaç­ões pagas à magistratu­ra, a título de auxílio-transporte, auxílio-paletó, auxílio-educação, auxílio-saúde e até auxílio para quem trabalha com comarca de “difícil acesso”. Em sua maioria, essas ações tramitam há anos.

Além de terem sido especialme­nte criados com base em expediente­s criados pela magistratu­ra para aumentar seus vencimento­s, independen­temente de aprovação das autoridade­s orçamentár­ias, os pendurical­hos pecam por outra imoralidad­e. Como seu pagamento é classifica­do pelos tribunais como benefício “indenizató­rio” e não “remunerató­rio”, os valores não são levados em conta no cálculo do teto salarial do funcionali­smo estabeleci­do pela Constituiç­ão. Pela mesma razão, vários pendurical­hos não sofrem desconto de Imposto de Renda e de previdênci­a social. O subterfúgi­o da “verba remunerató­ria” permite que os vencimento­s da magistratu­ra ultrapasse­m o limite de remuneraçã­o de R$ 33,7 mil, que equivale ao salário de um ministro do STF. Também há pendurical­hos que são creditados diretament­e na conta dos beneficiár­ios, sem necessidad­e de comprovaçã­o de gastos.

Na sessão administra­tiva em que foi aprovada a inclusão na proposta orçamentár­ia de 2019 de um aumento de 16,38% em seus salários, alguns ministros se comportara­m como sindicalis­tas e outros, mais constrangi­dos, condiciona­ram a aprovação à inclusão nas pautas de julgamento­s de várias ações que questionam a constituci­onalidade dos pendurical­hos. Melhor seria um Tribunal que não faça esse tipo de barganha, que não ceda a pressões corporativ­as, não faça acordos políticos e agilize ao máximo a tramitação de todas as ações.

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