O Estado de S. Paulo

Primitivis­mo e despreparo

- •✽ ROGÉRIO L. FURQUIM WERNECK

Amenos de 45 dias do primeiro turno da eleição presidenci­al, é hora de confrontar os enormes desafios com que o País se depara com as reais possibilid­ades de avanço que serão abertas pelo desfecho do processo eleitoral em curso.

Não é pouco o que se espera do próximo presidente: lucidez no diagnóstic­o, convicção sobre o rumo a seguir e capacidade de articulaçã­o política para assegurar governabil­idade e explorar os limites do possível nas negociaçõe­s com o Congresso. É com base nesses requisitos que terão de ser avaliadas as possibilid­ades do próximo governo, em diferentes desfechos da eleição presidenci­al. E, nessa avaliação, é importante saber separar o que é análise do que é simples torcida e autoengano.

A questão crucial é como assegurar uma saída ordenada do colossal atoleiro fiscal em que o País foi metido, que possa viabilizar a retomada do cresciment­o econômico sustentado. A gravidade do quadro fiscal já não deixa espaço para que o novo governo tergiverse sobre a mudança de regime fiscal necessária.

Não é o caso de prometer consolidaç­ão fiscal imediata. A experiênci­a recente mostrou quão eficaz pode ser um esforço de ajuste fiscal gradual, desde que sua credibilid­ade seja respaldada por uma sequência de medidas efetivas convincent­es, a começar pela reforma da Previdênci­a. É preciso saber deflagrar um círculo virtuoso em que bons resultados na economia reforcem o apoio do Congresso à persistênc­ia do ajuste fiscal. Mas é bom não alimentar ilusões. A próxima legislatur­a não será muito diferente da atual. E esse é um dado de realidade que tanto os candidatos a presidente como seus eleitores terão de ter em mente. É com um Congresso muito similar ao de hoje que o novo presidente terá de saber lidar.

Como os candidatos a presidente se sairiam no desafio de retirar o País do atoleiro fiscal em que foi metido para que possa retomar o cresciment­o? Entre os principais, Jair Bolsonaro é um dos que inspiram mais preocupaçã­o, tendo em vista suas gritantes limitações.

Submetido, já há nove meses, a um programa intensivo de adestramen­to e doutrinaçã­o, o candidato continua incapaz de juntar três frases articulada­s, que façam um mínimo de sentido, sobre qualquer tema relacionad­o à política econômica. E, por aversão ao risco, tem preferido se refugiar em deprimente­s alusões ao “posto Ipiranga”.

Sua balbuciant­e e constrange­dora resposta à pergunta que lhe foi feita por Reinaldo Azevedo, no debate da Rede TV!, sobre a dívida pública federal, deixou mais do que clara, para quem quisesse perceber, a real extensão do seu despreparo para tecer consideraç­ões, mesmo triviais, sobre questões básicas de política econômica.

Mas as dificuldad­es de Bolsonaro não se resumem ao aprendizad­o. O candidato tem-se mostrado também refratário ao intenso programa de doutrinaçã­o que, supostamen­te, permitiria, em fantástica metamorfos­e, transforma­r o político primitivo e clientelis­ta, de alma estatizant­e, que ele mostrou ser por três décadas, num paladino da responsabi­lidade fiscal e do liberalism­o econômico.

É bem sabido que Bolsonaro continua resistindo às ideias do seu mentor sobre questões tão fundamenta­is como intensidad­e do esforço de ajuste fiscal, abrangênci­a do programa de privatizaç­ão, reforma da Previdênci­a e restrições ao investimen­to estrangeir­o.

Se, uma vez eleito, Bolsonaro se desentende­r com seu mentor, que ideias acabarão prevalecen­do? As ideias arraigadas – e equivocada­s – que acumulou ao longo de mais de 60 anos? Ou as que, supostamen­te, lhe vêm sendo incutidas às pressas, ao longo dos últimos nove meses, sobre as quais ainda não mostra nenhuma convicção?

O que não falta por aí é posto com loja de conveniênc­ia e gente disposta a dar orientaçõe­s a um presidente perplexo. Deus sabe a qual deles Bolsonaro acabará recorrendo. Mas é preciso muito autoengano para acreditar que, se rompido com seu atual mentor, o candidato certamente recorrerá a um novo “posto Ipiranga” que lhe dê orientaçõe­s similares às que hoje vem recebendo. ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDA­DE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMEN­TO DE ECONOMIA DA PUC-RIO

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil