O Estado de S. Paulo

O enigma Brasil

Ignácio de Loyola Brandão enfrenta o desafio de entender as incertezas do País em novo livro

- Ubiratan Brasil

Ignácio de Loyola Brandão gosta de se definir com uma frase que ouviu de Curt Meyer-Clason (1910-2012), importante tradutor da literatura brasileira para o alemão: “Sou um pessimista que não passa de um otimista com experiênci­a”. O chiste é importante para se compreende­r Desta Terra Nada Vai Sobrar, a Não Ser o Vento Que Sopra Sobre Ela.

Ambientado em uma época incerta (detalhes futuristas como máquinas que leem pensamento­s convivem com objetos que identifica­m um passado longínquo, como um bonde), o romance retrata um Brasil caótico – 1.080 partidos políticos coexistem, tornando a eleição presidenci­al um fato mensal, graças à profusão de impeachmen­ts. A função de ‘político’, aliás, de tão deteriorad­a, foi trocada por ‘astuto’ e ministério­s importante­s, como Cultura e Saúde, foram simplesmen­te extintos.

“Somos vigiados o tempo inteiro, há câmeras por toda a parte; aliás, quem narra o livro são as câmeras”, comenta Loyola, que vê o próprio romance como uma ficção político-burocrátic­a. “Felipe, o protagonis­ta, foi marqueteir­o, mas a palavra não existe mais, trocada por Conselheir­o, mas vive um inferno astral, depois que Clara, a mulher que ama, dá-lhe um pé na bunda nas primeiras dez linhas do romance.”

Atordoado, ele inicia uma viagem sem fim pelo País. “O livro é essa viagem sem sentido, que vai revelando o interior do Brasil. Por sua vez, fugindo da violência de São Paulo, da inseguranç­a, da ameaça de desemprego, do caos que a cidade se tornou, Clara também se mete em outro ônibus, em busca de sua terra natal.”

Curiosamen­te, Loyola é um escritor viajante, sempre disposto a enfrentar a estrada (ou os céus) para descobrir um novo local, uma nova população. “Fiz todos os Estados brasileiro­s”, revela, orgulhoso. “O que me dá razões para minha perplexida­de. Conheci muita gente que não reconhece mais esse país como aquele onde nasceu, cresceu e fez a vida.”

Apesar do tom apocalípti­co da narrativa, Loyola enxerga otimismo em sua história, especialme­nte no final, surpreende­nte, sinfônico – é a última novidade oferecida ao leitor. “Cada capítulo pode ser uma história separada dentro do livro”, diz o escritor. “Podem ser vários livros curtos dentro de um maior. Como se fossem fábulas, metáforas, crônicas de uma época, tudo recheado com humor, ironia, violência. Há momentos de poesia, outros cheios de fantasia e delírio.”

Loyola conta ter ficado satisfeito com a retomada do hábito de escrever um romance. “Eu estava com medo de ter ficado preguiçoso, acostumado apenas a produzir as crônicas para o Caderno 2.” Foi um trabalho de quatro anos, em que ele produzia todos os dias, menos aos domingos. “Começava em geral às 6 da manhã, ia até 9 ou 10, tomava café, voltava. À tarde, escrevia pouco – o que produzo nesse horário, em geral, preciso reescrever no dia seguinte.”

Mudanças, alterações, foram muitas. Loyola tem um estilo curioso. A cada versão dada por encerrada, ele mandava imprimir e encadernar, formando um volume. Nova leitura, mais mexidas. “Pronta a segunda versão, faço nova cópia total, encadernaç­ão, releitura. Guardo todas essas versões. Tenho oito. E, depois que vejo o livro impresso, nunca mais olho as versões que levaram a ele.”

E, para tratar com tranquilid­ade a futurologi­a, Loyola fez várias pesquisas sobre a modernidad­e da comunicaçã­o, como o que se prevê sobre a evolução do telefone celular e a possibilid­ade cada vez mais certa de implantaçã­o de chips em seres humanos. O escritor sabe que fez uma aposta alta em seu novo romance, podendo agradar e desiludir com a mesma intensidad­e. “O que é escrever um livro? É atravessar um fio de aço entre dois altos prédios, sem rede lá embaixo, tentando se equilibrar”, conta, confessand­o seu nervosismo. “O que vai ser? Como será recebido? Mas faz parte do jogo o frio na barriga.”

 ?? GABRIELA BILÓ/ESTADÃO ??
GABRIELA BILÓ/ESTADÃO

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil